Separação de cargos é regra para o BCE, mas com excepções

Governo continua a defender que António Domingues acumule os dois cargos de topo na CGD.

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António Domingues foi ontem oficializado como presidente executivo da CGD Fernando Veludo/NFactos

Para o Banco Central Europeu (BCE), a separação entre o presidente do órgão de administração de um banco e o administrador executivo é a regra, uma vez que os dois cargos implicam responsabilidades distintas. Apenas em casos excepcionais o regulador admite que as duas funções sejam desempenhadas pela mesma pessoa, tal como o Governo português continua a querer que aconteça na Caixa Geral de Depósitos com António Domingues.

O PÚBLICO questionou o BCE sobre a a decisão de permitir que Domingues acumule os cargos de presidente do conselho de administração e de presidente da comissão executiva apenas durante um período de seis meses. O regulador escusou-se a comentar o caso, mas remeteu para uma recém-publicada adenda a um guia sobre as regras a que estão obrigadas as instituições bancárias.

O documento, publicado este mês, explica que “o BCE considera que deve haver uma separação clara das funções executivas e não executivas nas instituições de crédito e que a separação entre as funções de presidente do órgão de administração e de administrador executivo deve ser a norma”. Esta é, de resto, a prática na banca portuguesa e é o que acontece actualmente na CGD.

O regulador defende a divisão com o argumento de que as responsabilidades de cada um dos cargos “divergem, refletindo as finalidades distintas das funções de fiscalização e administração de cada um deles”. O presidente do conselho de administração, especifica o texto, “deve ser um membro independente ou não executivo do mesmo”.  

Tipicamente, e tal como também acontece em muitas empresas, o conselho de administração tem uma função de supervisão da equipa de gestão e de defesa do interesse dos accionistas (que, no caso da CGD, é apenas o Estado). Já o presidente executivo e a respectiva equipa têm em mãos a gestão quotidiana da instituição.

O BCE reconhece, no entanto, que podem haver situações excepcionais, mas “somente se tiverem sido adoptadas medidas correctivas para garantir que o facto de estarem combinadas não compromete as responsabilidades e as obrigações de prestação de contas de ambas as funções”. Nestes casos, o banco central avaliará vários factores, incluindo as medidas tomadas para minorar o impacto da acumulação, e sublinha que não é suficiente que esta seja permitida pelas leis nacionais.

Depois da recusa do BCE, o Governo já disse que continuará a defender o nome de António Domingues para ambos os cargos. Nesta quinta-feira, o secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, afirmou, em declarações a jornalistas, que o facto de o Estado ser accionista único é um dos argumentos a favor da acumulação. “Não há potenciais conflitos entre accionistas para resolver. Parece-nos mais adequado [a acumulação]. Vamos continuar a argumentar a visão de que, no caso de uma estrutura com um único accionista, a acumulação de cargos é a melhor solução”, afirmou o governante. Para além disso, referiu que a separação gerou no passado “situações de conflito latente entre os presidente do conselho de administração e o presidente da comissão executiva".

O número de accionistas é precisamente um dos factores considerado pelo BCE para ponderar excepções à regra, mas as situações descritas no guia não são semelhantes à da CGD. “De modo geral, uma base accionista diversificada ou a admissão à negociação num mercado regulamentado pode não favorecer a concessão da autorização”, refere o documento. Pelo contrário, pende a favor da autorização um cenário em que a instituição é detida a 100% por outra “que cumpra integralmente a separação de funções entre o presidente e o administrador executivo, e monitorize atentamente a filial”.

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