Funchal: O fogo ainda arde nas conversas de café

Já sem incêndios, a baixa do Funchal voltou a encher-se de turistas e locais. Nas esplanadas que polvilham a cidade, as chamas são tema de conversa. Fala-se da dor, do medo. De quem teve sorte, e dos que não tiveram azar. Conversas em voz baixa, não vá o fogo ouvir.

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A Madeira regressa à normalidade depois dos incêndios Miguel Madeira

Depois de uma noite, a primeira esta semana, sem incêndios, o Funchal era esta manhã uma cidade calma. O fumo já não se sente no ar e o cheiro a queimado é quase uma recordação dos dias infernais que a capital madeirense viveu desde a tarde de segunda-feira.

O fogo, que matou três pessoas e atingiu mais de duas centenas de edifícios, metade dos quais irremediavelmente perdidos, ouvia-se ainda nas mesas das esplanadas que voltaram a animar a cidade. Conversas em voz baixa. Quase um murmúrio, não vá o fogo ouvir.

Fala-se de sofrimento. Do pavor de ter que meter a vida num saco e fugir, sem destino certo. Das labaredas que desceram à baixa. Dos dramas pessoais, dos vizinhos que se “safaram” e dos que não tiveram tanta sorte.

Destes, perto de duzentos fizeram casa provisória do quartel do exército, que o executivo madeirense quer esvaziar rapidamente. Para já, foi decidido agilizar processos burocráticos, para realojar, temporariamente, as famílias que continuam ali, no Regimento de Guarnição n.º 3 (RG3), que tem sido o porto de seguro dos madeirenses sempre que as montanhas despejam fogo ou água. Foi assim nas cheias de 2010. Foi assim nos incêndios de 2013.

Solidariedade e assaltos

O governo de Miguel Albuquerque autorizou o Instituto de Habitação da Madeira (IHM) a proceder ao realojamento dos deslocados, passando por cima da documentação prévia necessária. Será este instituto a suportar os encargos das ligações de fornecimento de electricidade, água e gás. A resolução do executivo autorizou também o IHM a aceitar, a título de empréstimo, casas cedidas gratuitamente por famílias e empresas, porque na Madeira gerou-se uma onda de solidariedade para os que perderam tudo. Vestuário, electrodomésticos, brinquedos, comida…

Tem chegado tudo ao RG3. Dinheiro também. Foram abertas três contas solidárias. Uma, do Santander (IBAN: PT50 0018 0003 4277 7599 0201 0) já tem meio milhão de euros, doados pela aquela instituição bancária. De todo o mundo onde há emigrantes madeirenses, África do Sul, Ilhas Britânicas, chega também a solidariedade.

Mas há também quem aproveite a desgraça. No terreno, depois dos incêndios, há relatos de assaltos. A PSP já registou meia dúzia de furtos a residências abandonadas à pressa pelas famílias. O conselho é para trancar portas e janelas, mas são poucos os que têm força para regressar e ver a rua onde viviam pintada de negro.

A palavra de ordem agora é reconstruir. Foi isso que o Presidente da República foi dizer quarta-feira à Madeira. Foi isso que o primeiro-ministro disse no Funchal no dia seguinte. Apoios concretos só com contas certas, que começam a ser apresentadas já na próxima terça-feira, numa reunião em Lisboa entre o secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Manuel Castro Almeida, e o secretário madeirense das Finanças, Rui Gonçalves.

Com o turismo a voltar à normalidade - o governo já anunciou um reforço nas verbas para a promoção externa - as chamas lavram agora a Oeste do Funchal, numa zona montanhosa, longe de habitações. No local, permanecem ainda meia centena de operacionais apoiados por 16 viaturas. Na Calheta, onde esta manhã, um bombeiro ficou ferido durante o combate ao fogo que teima em morrer, reside o único incêndio ainda activo.

A semana infernal vivida pela região autónoma alterou o calendário de várias festividades. O Arraial do Monte, uma das festas religiosas mais tradicionais da Madeira, foi amputado da componente pagã. Noutras freguesias funchalenses, a festa far-se-á também dentro das paredes da igreja. A reentré política do PSD-Madeira, marcada para 19 de Agosto no Porto Santo, foi cancelada, e o concerto dos Trovante, que no dia 20 assinalava o Dia do Funchal, foi adiado para “parte incerta”.

Os incêndios “fizeram os dias assim”.

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