Há uma ligação possível entre o Zika e deformações nas articulações dos bebés

Além da microcefalia, o vírus começa agora a ser associado à artrogripose, que afecta particularmente as articulações dos braços e das pernas. É a conclusão de um estudo no Brasil que olhou para sete casos de bebés que nasceram com este problema.

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Mosquito Aedes aegypti JAIME SALDARRIAGA/Reuters

Uma equipa de cientistas no Brasil, que estudou a eventual ligação entre o Zika em grávidas e a ocorrência de deformações graves nas articulações dos bebés, concluiu que este problema deve ser monitorizado durante a epidemia do vírus. Os resultados do trabalho foram publicados esta terça-feira na revista British Medical Journal (BMJ).

Na análise de sete casos de crianças com deformações nas articulações, os investigadores dizem que esse problema – conhecido por artrogripose, que afecta particularmente os braços e as pernas – pode ser um resultado do efeito do Zika no desenvolvimento dos neurónios motores do bebé, células responsáveis pelo controlo das contracções ou relaxamento dos músculos. Em todos os sete casos, a mãe ou tinha tido uma infecção pelo Zika documentada, ou uma erupção cutânea parecida com o que acontece com o Zika ou teve um bebé com uma cabeça anormalmente pequena.

O surto de Zika no Brasil foi detectado no ano passado. Transmitido por mosquitos, o vírus disseminou-se rapidamente pelas Américas e recentemente começou a espalhar-se nos Estados Unidos, onde os mosquitos Aedes aegypti prosperam no calor do Sul deste país.

No Brasil, o Zika já foi relacionado com mais de 1700 casos de microcefalia, uma malformação rara nos recém-nascidos caracterizada por uma cabeça pequena que está na origem de problemas graves de desenvolvimento dos bebés. A microcefalia e outros defeitos cerebrais graves do feto estão entre as principais características do que agora é conhecido como “síndrome congénita do vírus Zika”. No entanto, ainda pouco se conhece sobre outros problemas de saúde que possam ser causados pelo Zika durante a gravidez.

Até há pouco tempo, não havia qualquer registo de uma associação entre o vírus Zika e a artrogripose, refere um comunicado de imprensa da revista BMJ. Mas depois do surto de microcefalias no Brasil associadas ao Zika, acrescenta o comunicado, já dois relatórios sugeriram a existência de uma ligação, embora não tivessem descrito as deformações em pormenor. Por isso, a equipa que publicou estes resultados na BMJ e que se encontra no Recife – cidade brasileira no centro da epidemia do Zika – decidiu investigar as causas possíveis das deformações nas articulações observadas nos sete bebés.

No entanto, como esta investigação foi um estudo observacional que olhou para casos de artrogripose, a equipa não pode tirar conclusões definitivas sobre se o Zika é uma causa directa. Ainda assim, a equipa considera que a artrogripose pode estar relacionada com a maneira como o Zika afecta o cérebro e com a maneira como os neurónios motores transportam os sinais nervosos até aos músculos dos bebés que ainda não nasceram. Se os sinais são fracos ou deficientes de alguma forma, isso pode conduzir a posturas imóveis no útero e, consequentemente, a deformações nas articulações, disse à agência Reuters a coordenadora do estudo, a neurologista pediátrica Vanessa van der Linden, da Associação de Assistência à Criança com Deficiência e do Hospital Barão de Lucena, ambos no Recife. “Não temos a certeza, mas pensamos que existe um problema com os neurónios motores… e que os danos se devem provavelmente ao vírus”, afirmou Vanessa van der Linden, numa entrevista telefónica.

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Radiografias de articulações afectadas por artrogripose The BMJ 2016/

Ainda segundo a equipa, a artrogripose “não resultou de deficiências nas próprias articulações e provavelmente tiveram uma origem neurogénica” ligada aos neurónios motores, acrescenta o comunicado.

Além disso, todas as crianças estudadas apresentavam sinais de calcificações no cérebro, um problema caracterizado pela acumulação de cálcio. Os cientistas pensam que o Zika destrói as células do cérebro e forma lesões semelhantes a cicatrizes, nas quais é depositado cálcio.

Neste momento, já está estabelecida uma ligação forte entre o Zika e a microcefalia. Jimmy Whitworth, professor de saúde pública internacional na Faculdade de Higiene e Medicina Tropical de Londres, sublinhou à Reuters que estes últimos resultados, em conjunto com outros estudos, relevam que o Zika tem ainda mais consequências negativas do que se pensava.

“Está a ficar cada vez mais claro que o vírus pode provocar uma grande variedade de outras deformações, incluindo deficiências na visão e na audição e danos no cérebro de bebés com cabeças de um tamanho normal”, referiu Jimmy Whitworth. O facto de que todos os bebés do estudo na BMJ apresentarem danos nos nervos periféricos, que causaram a contracção das articulações, é “consistente com o nosso conhecimento de que o vírus Zika é particularmente danoso para o tecido nervoso”, disse ainda o investigador.

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