Depois da América Latina, que trabalho se segue para Paulo Portas?

O ex-vice-primeiro-ministro está a acumular ligações empresariais em sectores ou regiões do globo a que deu especial atenção quando esteve no Governo. A esquerda critica e a direita desvaloriza.

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Mantendo um pé na política, o ex-líder do CDS comprometeu-se com Assunção Cristas a continuar a participar nas escolas de quadros dos centristas Nuno Ferreira Santos

Olhando para os sete trabalhos com que, em Junho, Paulo Portas se propunha preencher o seu futuro longe da política activa, a sua contratação pela petrolífera estatal mexicana Pemex já deveria estar nessa altura a ser discutida. É que o ex-vice-primeiro-ministro contabilizava então como um desses sete trabalhos a “consultoria estratégica no Golfo e na América Latina” e não estava a incluir nela o aconselhamento à construtora nacional Mota-Engil que tem negócios de peso em território americano. O que deixa no ar também a possibilidade de Paulo Portas vir a ter, a curto ou médio prazo, funções noutra empresa que opere na região do Golfo Pérsico.

A isso não seria alheio o facto de essa região do globo ser uma das que mereceram especial atenção de Portas na sua passagem pelo Governo: entre as missões empresariais que chefiou no Golfo Pérsico estão as deslocações, em Dezembro de 2012, a Omã, Dubai, Kuwait e Emirados Árabes Unidos (EAU) como ministro dos Negócios Estrangeiros; um ano depois ao Qatar e aos EAU já como vice-primeiro-ministro; e, em Março e Novembro de 2014, novamente aos Emirados.

Mas, para já, Paulo Portas foi nomeado conselheiro da Mex Gas Entreprises, a filial mexicana da Pemex instalada em Madrid desde 2014, depois de se ter mudado das ilhas Caimão, onde usava a designação MGI Enterprises Limited. A nomeação é de 20 de Julho, quando já tinha deixado de ser deputado há mais de um mês.  É um trabalho que se vem juntar ao de conselheiro estratégico para a internacionalização da Mota-Engil na América Latina (anunciado no início de Junho, quando pediu a renúncia ao seu mandato), e às funções de vice-presidente – sem remunerações, garantiu – da direcção da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa. Portas está como representante da Pinto Basto Gest, do universo de empresas do presidente da câmara de comércio, Vasco Pinto Basto, que o convidou.

Sobre as questões das incompatibilidades, Paulo Portas não tem dúvidas e em Junho mostrou-se mesmo preparado para argumentar. “A única questão que se coloca é se alguma vez tive tutela de sectores [em] que a Mota-Engil tem desempenho. Não. Alguma vez privatizei a Mota-Engil? Não. Alguma vez a Mota-Engil beneficiou de incentivos fiscais de natureza contratual àqueles em que havia negociação com o Governo? Não. Só aqueles que são para todas as empresas, num regime em que o Governo não intervém. Donde, a questão não se colocava”, afirmou à Sábado, que o acompanhou na sua primeira missão pela CCIP a Cuba.

No Parlamento, a matéria divide a direita e a esquerda. A primeira é muito crítica e tem apontado questões morais e éticas – já que legalmente Portas estará bem escudado nos “alçapões”, como dizem BE e PCP, que a lei das incompatibilidades comporta. O comunista António Filipe, que classifica o caso como “grave” do ponto de vista ético, realça a necessidade de a comissão parlamentar da transparência legislar de forma a colmatar as falhas da lei para evitar estes “casos muito evidentes em que se beneficia de ter exercido um cargo público para dar o salto para o sector privado”.

A direita prefere desvalorizar. Ao PÚBLICO, Fernando Negrão (PSD) recusou antecipar a discussão que se fará na comissão de que é presidente e sobre as contratações de Portas alegou que essa é uma das questões que está a ser objecto de discussão na comissão “relativamente a todos, e não só a um político”. Em 2014, na festa do Pontal, Pedro Passos Coelho insurgiu-se contra a “falta de ética de muita gente que vivia [no tempo do Governo socialista anterior] entre a política e os negócios, e os negócios e a política”. Já o centrista António Carlos Monteiro preferiu dirigir a questão para a resposta aos ataques da esquerda, questionando as posições diferentes quando se trata de atitudes de elementos da oposição – como Portas ou Maria Luís – ou do Governo – lembrando a polémica das viagens oferecidas pela Galp, e disse que o CDS é frontalmente contra as propostas de exclusividade dos deputados e alargamento do período de nojo e das incompatibilidades dos titulares de cargos públicos e políticos que impediriam a contratação da ex-ministra das Finanças pela Global Arrow e a de Portas pela Mota-Engil por ter tutelado a internacionalização de empresas.

O quarto trabalho com carácter permanente do ex-líder do CDS será o de comentador da TVI a partir de Setembro. Paulo Portas já esteve no Jornal das 8 no final de Junho a comentar o referendo do Reino Unido e as eleições em Espanha, mas sem qualquer expressão nas audiências: nas duas ocasiões o noticiário da TVI não teve mais espectadores do que a média dos restantes dias. O futuro formato da participação de Portas ainda está a ser ultimado, que deverá ocupar o espaço nobre ao domingo à noite, deixado vago por Marcelo há quase um ano.

Somam-se ainda três trabalhos pontuais. O ex-líder centrista será um dos 11 oradores do programa de formação para executivos da Nova School of Business da Universidade Nova de Lisboa denominado Unlocking growth (desbloquear o crescimento), focado em geoeconomia e geopolítica que começa em Setembro. O curso, de 11 sessões, conta com nomes como João Abecasis, Luis Filipe Lages, João Talone, Pedro Santa Clara, Cunha e Pedro Pereira Gonçalves (secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade de Portas, Paul Preston, e Miguel Pina. Portas, que aparece na brochura do curso numa fotografia ainda líder do CDS, participará apenas numa sessão de três horas (ainda sem data anunciada), falando sobre “crescimento através da diplomacia económica”.

Paulo Portas foi agenciado pela Thinking Heads, uma empresa de organização de conferências a nível internacional, com escritórios em Madrid e Miami, que o descreve como uma “figura imprescindível da política portuguesa desde os anos 90”, mas não há indicação de qualquer evento em que tenha participado. Por último, mantendo um pé na política, o ex-líder do CDS comprometeu-se com Assunção Cristas a continuar a participar nas escolas de quadros dos centristas.

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