BCE está a limitar compras de dívida portuguesa desde Abril

Nos últimos quatro meses, as aquisições de dívida pública nacional realizadas pelo BCE ficaram abaixo do valor correspondente à participação de Portugal no capital do BCE. Julho foi o mês com menos compras desde o início do programa.

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BCE não pode ficar dono de mais de um terço dos títulos de dívida elegíveis de um determinado país. Reuters/Ralph Orlowski

As compras de dívida pública portuguesa realizadas pelo Banco Central Europeu (BCE) registaram em Julho o valor mais baixo desde o início do programa lançado em Março de 2015, acentuando a tendência de diminuição do peso de Portugal no cabaz de compras do banco central. Este é mais um indício de que em Frankfurt se podem estar já a tomar medidas para evitar que seja atingido o limite máximo auto-imposto para a aquisição dos títulos obrigacionistas portugueses.

De acordo com os números publicados no início deste mês pela própria autoridade monetária, o BCE concretizou, no âmbito do seu programa de compra de activos em toda a zona euro, aquisições de obrigações do tesouro emitidas pelo Estado português no valor de 958 milhões de euros.

Este número representa uma diminuição muito significativa em relação aos meses anteriores. Desde que, em Março de 2015, o BCE começou a comprar dívida pública dos países da zona euro (numa tentativa de reanimar a economia e evitar o risco de deflação), as compras de títulos portugueses foram em média de 1182 milhões de euros ao mês.

A travagem registada em Julho ainda é mais notória se se levar em conta que, desde Abril deste ano, o banco central reforçou o volume global do seu programa para a totalidade da zona euro, o que tinha levado a que, em Portugal, a média de compras tenha subido para 1431 milhões de euros ao mês, entre Abril e Junho de 2016. Isto é, em Julho, as compras realizadas foram 33% mais baixas do que as realizadas em média nos três meses anteriores.

Não se pense contudo que, o padrão de compras de dívida portuguesa registado em Julho é apenas um caso isolado. Se se analisar os dados publicados pelo BCE, não pelo valor absoluto das compras, mas pelo seu peso relativo em relação ao total das aquisições de dívida pública à escala da zona euro, percebe-se que a desaceleração registada em Portugal se verifica já desde o início de Abril deste ano, tendo apenas se acentuado em Julho.

De facto, enquanto entre Março de 2015 e Março de 2016 as compras portuguesas corresponderam sempre a um valor muito próximo de 2,6% das compras de dívida pública da totalidade dos países da zona euro, a partir de Abril deste ano esse número baixou.

Foi em Abril que a entidade liderada por Mário Draghi decidiu reforçar o seu programa de compra de activos, aumentando o volume de compra de dívida pública realizado em cada mês. No entanto, Portugal beneficiou relativamente menos desse reforço das compras. Dos 2,6% registados até então, passou-se em Abril e Maio para um peso das compras portuguesas de apenas 2%. Em Junho registou-se uma subida para 2,2% e em Julho uma queda pronunciada, para 1,5%.

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o BCE já tem títulos no valor de 20 mil milhões de euros comprados no actual programa de compra de activos Reuters/Dado Ruvic

Recorde-se que, como regra geral, o BCE (em coordenação com os bancos centrais nacionais da zona euro) faz as suas compras de títulos de dívida pública em linha com o peso que cada um dos Estados da zona euro tem no seu capital. Seguindo esta lógica, Portugal teria direito a que 2,5% das compras de dívidas fossem feitas em títulos emitidos por si.

O que se conclui ao olhar para os números publicados pelo BCE é que, entre Março de 2015 e Março de 2016, Portugal beneficiou sempre de compras ligeiramente acima das que resultariam da aplicação do rácio de 2,5%. Mas a partir de Abril, as compras passaram a ficar claramente abaixo desse valor. Neste momento, olhando para o valor acumulado desde o início do programa, as compras de dívida portuguesa já representam 2,4% do valor total, ligeiramente abaixo do valor correspondente ao peso do país no capital do BCE.

Limite aproxima-se

Os responsáveis do BCE têm preferido não fazer comentários sobre as estratégias de intervenção nos mercados que seguem quando põem em prática o seu programa de compras de activos, repetindo invariavelmente que os objectivos do programa estão a ser atingidos e que serão encontradas as soluções mais adequadas. Mas, por trás da redução do peso das compras de dívida portuguesa que se verifica desde Abril (e de forma acentuada em Julho), pode estar uma outra regra que o BCE impôs a si próprio: a de não poder ficar dono de mais de um terço dos títulos de dívida elegíveis de um determinado país.

Este limite, como já têm avisado vários analistas, pode, no caso português, vir a constituir um obstáculo antes do fim do programa de compra de activos, que irá durar até pelo menos Março de 2017.

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O problema é que, no caso de Portugal, o BCE já tinha no balanço um montante considerável dos seus títulos de dívida pública, adquiridos durante o auge da crise da dívida soberana, num outro programa do BCE. Nessa altura, títulos da Grécia, Espanha, Irlanda e Itália também foram comprados. E isso pode fazer toda a diferença nas contas.

Neste momento, os títulos de dívida pública portugueses elegíveis para serem adquiridos pelo BCE (ou seja, transaccionáveis no mercado e com maturidade entre 2 e 30 anos) correspondem a um valor de 110 mil milhões de euros. Isto significa que, no máximo, o BCE só pode ficar na sua posse com cerca de 37 mil milhões de euros, um terço do total de títulos elegíveis existentes.

Actualmente, o BCE já tem títulos no valor de 20 mil milhões de euros comprados no actual programa de compra de activos, a que se têm de acrescentar os títulos elegíveis que já estavam no balanço do BCE e que correspondem a um valor próximo de 8000 milhões de euros. No total, são 28 mil milhões de euros, o que significa que o BCE tem espaço para comprar mais cerca de 9000 milhões de euros de dívida portuguesa.

Se realizasse as suas compras ao ritmo correspondente ao peso do país no capital do BCE (2,5%), o BCE compraria cerca de 1700 milhões de euros de dívida portuguesa ao mês, o que significaria que no espaço de cinco meses passaria a deter um terço do total da dívida portuguesa elegível, atingindo o limite pré-estabelecido. De assinalar ainda que o BCE também não pode deter mais de um terço de cada uma das linhas de obrigações, o que pode constituir um obstáculo ainda mais difícil de enfrentar.

Vários bancos de investimento internacionais têm alertado para esta dificuldade do BCE na compra de dívida portuguesa e o próprio Fundo Monetário Internacional, num relatório publicado em Março, escreveu que “se projecta que o BCE atinja o seu limite de compras de 33% para a dívida portuguesa dentro dos próximos nove meses”, isto é, até ao final deste ano.

No entanto, se limitar as compras mensais para cerca de 1000 milhões de euros ao ano, como aconteceu em Julho, o BCE consegue adiar consideravelmente o momento em que atinge o limite de compras, já para lá do actual prazo de duração do programa.

Esta pode ser a explicação para o facto de Portugal ter sido o país que, nos últimos meses, viu as compras de obrigações por parte do BCE caírem mais em toda a zona euro.

Menos protecção nos mercados

Para o país, este abrandamento nas compras do banco central constitui um motivo para preocupação. Desde que, em Março de 2015, o BCE começou a actuar no mercado de dívida pública europeia, Portugal (e os outros países da zona euro) passaram a contar com mais uma importante fonte de procura para as suas obrigações, que contribui de forma decisiva para baixar as taxas de juro ou, pelo menos, impedir que estas subam.

No meio de uma conjuntura internacional e nacional muitas vezes difícil – que incluiu entre outros acontecimentos a instabilidade nos mercados na China, a incerteza em relação à constituição do Governo português, as discussões entre o executivo e as autoridades europeias sobre o orçamento e o resultado do referendo britânico – o papel desempenhado pelas compras do BCE na manutenção de taxas de juro relativamente baixas na dívida portuguesa não deve ser minimizado.

Se é verdade que em Março de 2015, as taxas de juro da dívida a 10 anos estavam abaixo de 2% e, mesmo com o início das compras do BCE, começaram a subir, também não se pode esquecer que, em momentos de algum nervosismo nos mercados, nunca chegaram a superar os 4%.

O valor mais elevado foi atingido, já muito próximo dos 3,9%, em Fevereiro de 2016, quando a instabilidade financeira na China abalou os mercados em todo o mundo e os activos vistos como mais arriscados, como os portugueses, foram bastante penalizados.

Nos últimos meses, apesar de ser assistido a alguns altos e baixos, as Obrigações do Tesouro a 10 anos portuguesas tiveram sempre juros situados entre os 3% e os 3,5%, baixando no final de Julho (o mês em que o BCE fez menos compras), a barreira dos 3%.

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