Trump chama "diabo" a Hillary e insinua que democratas preparam fraude eleitoral

Presidente Barack Obama diz que a escalada retórica do candidato republicano à Casa Branca demonstra que "não está apto para exercer o cargo".

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Donald Trump, no comício de Mechanicsburg, Pensilvânia AFP/DOMINICK REUTER

A retórica de campanha do candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, está cada vez menos “presidencial”, com o milionário a referir-se à sua adversária democrata Hillary Clinton como “o diabo” e a insinuar, sem esclarecer qual o fundamento para a sua alegação, que está a ser preparada uma “fraude eleitoral” para Novembro. “Espero que os republicanos estejam a ouvir com atenção. A eleição vai ser uma fraude. Ou temos cuidado, ou vai ser roubada”, declarou, repetindo a mesma conjectura numa posterior entrevista à Fox News.

As duas declarações são totalmente inéditas em campanhas eleitorais, notaram os analistas políticos, já habituados a ouvir Trump descrever Clinton como “a desonesta Hillary” ou a pôr em causa o funcionamento das instituições. Em Mechanicsburg, na Pensilvânia, na segunda à noite, Trump afirmou que o Partido Democrata já tinha recorrido à fraude para pôr termo à campanha do senador do Vermont, Bernie Sanders – que depois apoiou a candidatura de Clinton. “Ele foi fazer um acordo com o diabo. Ela é o diabo”, repetiu.

Esta terça-feira, na Virginia, voltou a bater na tecla da desonestidade e também na da corrupção. “Parece que recolheram 50 ou 60 milhões de dólares, que vieram de 20 pessoas. Eu vou arranjar a lista de quem são essas 20 pessoas, até porque quero descobrir quantas é que conheço”, disse, desafiando as informações avançadas pela campanha de Clinton, segundo a qual no mês de Julho arrecadou 90 milhões de dólares em donativos (numa média de 44 dólares por contribuição). “Eu conheço este jogo melhor do que ninguém, e é assim que se joga. Eles pagam e ela obedece-lhes”, assegurou Trump, que acusa a rival de ser um fantoche dos interesses de Wall Street.

Para os analistas, a escalada retórica de Donald Trump nos últimos dias é uma manobra clássica para desviar a atenção para outro assunto – e para criar novas polémicas –, depois de uma semana desastrosa em termos de comunicação para a campanha republicana. Apesar das dores de cabeça para os operadores políticos, o candidato parece gostar de alimentar as controvérsias: voltou a fazê-lo quando disse que uma eventual derrota sua nas presidenciais corresponderia a fraude.

Essa foi a estratégia seguida desde o arranque das primárias, e como notam os observadores políticos americanos, com inusitado sucesso: as anteriores gaffes e guerras de palavras que supostamente deveriam ter feito descarrilar a candidatura do magnata, acabaram por fortalecer a sua campanha e reforçar os seus créditos junto dos eleitores descontentes que querem penalizar o “sistema”. Porém, há quem diga que o “truque” está esgotado e que não basta subir a parada para vencer nas eleições de Novembro – em vez de atrair eleitores moderados e independentes, as tiradas de Trump estão a aliená-los e entregá-los de bandeja à candidatura concorrente.

Para o Presidente Barack Obama, as últimas declarações de Donald Trump provam que “o candidato republicano claramente não está apto para exercer o cargo”. “Já o tinha dito na semana passada [na convenção democrata], e ele continua a dar-me razão. O facto de ter atacado uma família militar que fez sacrifícios tão extraordinários em nome do país; o facto de não demonstrar os conhecimentos básicos sobre as matérias mais críticas na Europa, no Médio Oriente e na Ásia, revela que está totalmente impreparado para o cargo”. Numa campanha inédita, também é a primeira vez que um Presidente ataca de forma tão brutal um candidato à sua sucessão.

O “caso” que tem incendiado a campanha tem a ver com a reacção de Trump ao discurso de Khizr Khan, o pai do capitão Humayun Khan, um muçulmano que foi morto num ataque suicida na guerra do Iraque, e que subiu ao palco da convenção do Partido Democrata, em Filadélfia, para censurar as propostas do candidato republicano para banir a entrada de muçulmanos nos EUA e a lamentar a falta de empatia de alguém que “nunca sacrificou nada pelo país”. Numa entrevista à ABC, Trump tentou rebater as críticas atacando a família, e contrapondo que “trabalhava no duro”, criava postos de trabalho, construía grandes estruturas e tinha “tremendo sucesso”. Isso são sacrifícios, perguntou o jornalista. “Sim, são”, respondeu.

A insensibilidade de Trump fez crescer a indignação, mas Donald Trump não desarmou. Para ele, a “história” não devia ser as “acusações e ataques maldosos” do senhor Khan à sua pessoa, mas sim “o terrorismo islâmico radical nos Estados Unidos”. E enquanto o candidato à vice-presidência, Mike Pence, procurava pôr água na fervura, ao descrever o capitão Khan como um herói, um dos principais conselheiros de Trump, Roger Stone, descrevia Khizr Khan como “um agente da Irmandade Muçulmana a ajudar Hillary Clinton”.

O mesmo Roger Stone cavalgou as acusações de fraude levantadas por Trump, garantindo que se os democratas “tentarem roubar esta eleição vai haver um banho de sangue”. “As sondagens dizem que estamos à frente na Florida, por isso se não ganharmos saberemos que houve fraude, que a eleição foi ilegítima e que o Presidente será ilegítimo. Teremos uma crise constitucional, desobediência civil e o Governo não poderá governar”, antecipou.

O coro de críticas que as palavras de Trump levantou forçou vários líderes republicanos a demarcarem-se da polémica com a família Khan, reafirmando o seu apoio aos combatentes no activo, aos veteranos de guerra e às chamadas famílias militares que constituem um dos blocos de eleitores mais cortejados pelo partido – especialmente em estados como a Virginia, Carolina do Norte e Florida, que serão fundamentais para que Trump possa ter os votos necessários no colégio eleitoral para ser eleito Presidente.

“Não posso enfatizar o suficiente o quanto discordo das declarações do senhor Trump. Espero que e os americanos saibam que os seus comentários não representam a opinião do Partido republicano, dos seus dirigentes e dos seus candidatos”, distanciou-se o veterano senador do Arizona e ex-candidato presidencial republicano, John McCain, um antigo prisioneiro de guerra no Vietname que já foi atacado por Trump por ter sido capturado pelo inimigo. Além de McCain, também o speaker do Congresso, Paul Ryan, e o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, criticaram o concorrente do partido – no entanto, nenhum deles cedeu à pressão para retirar o seu apoio à sua candidatura.

“A pergunta que eu me faço, e que acho que eles se deviam fazer é a seguinte: se repetidamente têm de vir a público denunciar o que o candidato republicano disse, porque é inaceitável, então por que continuam a apoiá-lo?”, questionou Barack Obama. “Esta não é uma situação episódica: todos os dias, todas as semanas, têm de se distanciar das declarações que ele faz. Tem de chegar uma altura em que percebam que esta pessoa não pode ser Presidente dos EUA, mesmo se pertence ao seu partido”, acrescentou.

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