Como a portuguesa Douro Azul salvou a alemã Nicko Cruises

O negócio dos cruzeiros de Mário Ferreira vai triplicar a facturação. O empresário, que resgatou uma companhia com o dobro do tamanho, é cada vez menos um homem do Douro para ser, cada vez mais, um operador mundial.

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A empresa portuguesa endireitou as contas da alemã em menos de três meses Fernando Veludo/NFactos

As receitas do negócio turístico de Mário Ferreira vão atingir este ano 106 milhões de euros. É quase o triplo do valor registado em 2015, altura em que a Douro Azul facturou 33 milhões. O empresário, que explora os cruzeiros no Douro com uma frota de 11 navios – e que tem mais dois em construção – aventurou-se no ano passado a resgatar da falência um operador com o dobro da sua dimensão, a alemã Nicko Cruises, com uma frota de 22 navios espalhados pelo mundo.

A aventura começou em Maio de 2015 (embora a entrada da Nicko Cruises na esfera da Mystic River, a holding de Mário Ferreira, tenha acontecido apenas em Outubro), mas o balanço já é mais do que positivo. Esta é a história de como uma empresa portuguesa foi resgatar uma congénere alemã, contada pelo seu protagonista: “Quis sair do papel de vítima e posicionei-me como interessado. Achei que iria arriscar e demorar muito tempo a recuperar a empresa. Ficou tudo direito em menos de três meses. Agora, só pode crescer”, diz o empresário.

A história tem de começar pelo início: quem é a Nicko Cruises? “Existe uma mão-cheia de empresas como a Douro Azul. Somos poucos e conhecemo-nos todos. Na Alemanha, o Mário Ferreira alemão era o senhor Ekkehard Beller, um homem com mais dez anos do que eu, que começou a Nicko Cruises um ano antes de eu começar a Douro Azul”, conta Mário Ferreira. Há muitas semelhanças nas empresas (ambas operam cruzeiros fluviais, em navios-hotel), mas também há muitas diferenças. A Douro Azul trabalha num único rio, o Douro, e opera no mercado português. A Nicko Cruises opera no mercado alemão e tem navios em vários pontos do globo: Mekong, Danúbio, Sena, Reno, Elba, entre outros.

Tinha um outro aspecto valioso entre os seus activos, que Mário Ferreira não pára de sublinhar: uma carteira de nove mil operadores a vender as suas passagens e uma base de dados de 600 mil clientes. “Estes números valem ouro”, diz. Sobretudo para quem, como ele, está a diversificar a oferta turística, a apostar de novo em hotéis e que agora aceitou pegar no que a EDP começou por desenhar como um plano de mobilidade para a região do Tua, por causa da construção da barragem, para ali criar um projecto turístico onde vão ser investidos 15 milhões de euros.

Mário Ferreira não revela quanto custou a compra da Nicko, uma empresa que no início de 2013 foi vendida ao fundo suíço Capvis por 130 milhões. “O segredo é a alma do negócio. Mas, obviamente, não paguei nada parecido com esse montante. Nem metade, nem um quarto”. Também diz que não precisou de se financiar e que assumiu o risco. E tem uma explicação para uma empresa saudável, comprada por um fundo, acabar em reestruturação menos de dois anos depois? “Porque fizeram o que vinha nos livros, mas não percebiam nada de cruzeiros”, sintetiza.

A verdade é que em Março de 2015 já não havia dinheiro para pagar salários. Havia bilhetes vendidos, havia clientes e produto, mas perdeu-se a rastreabilidade. “Uma das primeiras medidas do fundo foi mudar todo o sistema de contabilidade e gestão. Pagaram 2,5 milhões para ter um sistema novo e depois não tinham quem soubesse trabalhar nele. Contrataram gente, duplicaram as equipas, ficaram a pagar o triplo dos salários. Não negociaram, impuseram. Desmotivaram os que lá estavam e que percebiam do negócio. Deixaram-nos cair”, relata Mário Ferreira.

A Douro Azul era um dos credores, com bilhetes vendidos na ordem dos quatro milhões de euros. A Nicko também vende cruzeiros no Douro, num navio fretado à Douro Azul. Foi quando o empresário português passou de vítima a interessado e uma das 11 propostas que apareceram para salvar a empresa foi a sua.

“Não foi propriamente a proposta de maior valor que ganhou. Tenho consciência que valorizaram quem percebia do negócio, quem explicou o que queria fazer. E reconheço que os impressionei quando disse que ficava com todos os funcionários antigos do senhor Beller e que dispensava todos os novatos contratados pelo fundo suíço”, diz, sorridente.

No relato de Mário Ferreira as contas da Nicko voltaram a ficar direitas em menos de três meses. “Foi esse o acordo. Eles ficavam na empresa até o balanço ficar limpo. Eu só peguei oficialmente na Nicko em Outubro. Está a funcionar com precisão alemã. Um verdadeiro relógio suíço”, conta. O orçamento para 2016 vai ser ultrapassado. “Já facturaram 60 milhões”, revela. No negócio dos cruzeiros, os bilhetes são vendidos aos operadores com muita antecedência. “A tendência é crescer. Para 2016 está tudo vendido. A perspectiva para 2017 é muito melhor. Estávamos a espera de conseguir ter taxa de ocupação geral média de 82% na frota da Nicko. Estamos com 87% e sabemos que a média vai ser maior”.

A empresa que facturava 108 milhões em 2014 vai fechar o ano de 2015 com 60 milhões, já valendo mais de metade de todo o negócio turístico de Mário Ferreira. “Rapidamente vai regressar aos 100 milhões e vai ser preciso fazer investimentos, aumentar a frota”, antecipa. Este foi também um primeiro movimento de consolidação num sector que está muito necessitado deles. “Não conheço nenhuma outra área de negócio com uma diferença tão grande entre o líder, que factura 2,5 mil milhões de euros, e os seguintes, que facturam à volta de 200 milhões. Não faz sentido. Alguma coisa tem de acontecer”.

O “tubarão” (muitas vezes assim apelidado, depois de ter participado na versão portuguesa do programa televisivo “Shark Tank”) concede que tem de haver alguma agressividade nos negócios. “E mais do que agressividade, tem de haver oportunidade e determinação. Se tem dinheiro, se tem uma boa equipa, se tem oportunidade, a melhor maneira é agir rápido. Senão outro o fará. Mas não podemos esquecer que ter uma defesa preparada também pode ser uma estratégia de ataque”, remata. 

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