Tarde é bom

As noites no Verão são melhores do que os melhores dias do ano. É pena passá-las a dormir.

Começo a gostar outra vez de acordar tarde. A não ser nos últimos 15 anos da minha vida, odiei deitar-me e acordar cedo.

Quando aconteceu, adorei. Sentia uma desobediência libertadora por obedecer livremente ao sempre ignorado e desprezado conselho de “cedo deitar e cedo erguer dá saúde e faz crescer”. Sobretudo numa altura em que a saúde não só não nos é dada – temos de lutar por ela, perdendo, mesmo assim, quase sempre – como é incapaz de nos fazer crescer, a não ser das maneiras menos sadias que há, como aumentar o tamanho da barriga assassina.

Quando era criança odiava a hora em que os meus pais me deitavam. Continuo traumatizado por ver a luz da tarde – nem sequer do fim da tarde – a piscar-me e a desafiar-me das margens das cortinas.

Eram seis ou sete da tarde. Agora percebo que os meus pais precisavam de estar juntos e livres de nós. Mas, na altura, não. Jurei, em cada uma das milhares de noites que estive preso, que, mal me livrasse da minha família, haveria de passar todas as noites acordado e leitor e escritor e livre.

As noites no Verão são melhores do que os melhores dias do ano. É pena passá-las a dormir. Foi só uma interrupção temporária. As noites são para ser vividas. Os seres humanos são, quase de certeza, animais nocturnos.

A luz não é nossa amiga. Pelo menos não absolutamente. Vivemos – e sobretudo dormimos – sem ela.

A escuridão, em contrapartida, é boa. Vivam a noite e a manhã seguinte, por muito tarde que se mostrem: as vidas são nossas.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários