Calor no Alentejo: custam mais as noites que os dias

Operários da construção civil trabalham à torreira do sol com temperaturas que rondam os 40 graus centígrados. “Nem com água se consegue suportar tanto calor” garantem.

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Os trabalhadores desesperam debaixo de um sol inclemente
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Os alentejanos nem para a piscina vão, só depois das 17h

O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) indicava para as 14h desta terça-feira, em Beja, 39 graus centígrados de temperatura máxima. A essa hora, na rua Teófilo da Trindade que está sofrer obras de remodelação, os trabalhadores “nem a beber água constantemente” conseguiam suportar tão elevada temperatura. No entanto, “faça chuva ou faça sol o trabalho tem de ser feito”, dizia um deles, enquanto cortava com a máquina rebarbadora um bloco de cimento.<_o3a_p>

O consumo de água era elevado e, em alternativa, os trabalhos decorriam onde houvesse uma nesga de sombra, mesmo que temporária. Outro dos trabalhadores disse ao PÚBLICO que preferia “começar a trabalhar mais cedo ou acabar mais tarde” para fugir ao período crítico das 12 às 15h, quando a temperatura do ar atinge valores insuportáveis sobretudo para quem executa tarefas na agricultura ou na construção civil. O uso do capacete torna-se, em dias muito quentes, “um suplício por concentrar na cabeça da gente o calor”, salientam.<_o3a_p>

Noutro ponto da cidade de Beja, mais uns quantos trabalhadores demoliam o depósito de água localizado no local onde foi descoberto o forúm romano de Beja. Corre uma brisa, mas de ar muito quente que “não ajuda nada, antes seca a garganta”, desabafa outro operário que expressava no rosto o que significa trabalhar “à torreira do sol” com temperaturas próximas dos 40 graus centígrados. Os gestos são imprecisos. As mangas da camisa estão encharcadas das constantes passagens pelo rosto. Não há vontade, sequer, de falar. O seu olhar é de poucos amigos.

Passa um autocarro dos transportes urbanos de Beja e, lá dentro, sente-se um pouco o ar condicionado, só que em modo económico o que faz com que alguns passageiros se socorram dos abanicos para compensar a fraca prestação do sistema.  Uma moça com o rosto vermelho e transpirado com o cabelo colado às faces e à testa pediu ao motorista: “Posso levantar a abertura no tecto do autocarro?” Nem pensar, diz o condutor, ainda seria pior, alegaO problema é que as janelas da viatura para além de não terem cortinas, não se podem abrir. Não há qualquer hipótese de ter sombra quando o sol bate num dos lados do autocarro. O pior é quando vai cheio.

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Uma senhora acompanhada do neto estava ansiosa que a viatura chegasse à paragem junto à piscina municipal de Beja. “Ao menos ali podemo-nos refrescar à vontade”, confidenciava ela à criança. Estranhamente, ou talvez não, o espelho de água de Beja apresentava às 15h  apenas meia dúzia de banhistas. Só depois das 17hs é que as pessoas aparecem.<_o3a_p>

O recurso para resistir ao tempo quente é mesmo ficar em casa, quieto, sem fazer nada, até que uma brisa fresca “empurre” as pessoas para a rua.

<_o3a_p>O anel de fogo

Se o tempo quente faz estragos em Beja, nas localidades do “anel de fogo” que inclui sobretudo as povoações de Amareleja e Santo Aleixo da Restauração, no concelho de Moura, o cenário consegue ser ainda pior.<_o3a_p>

Manuel Cuco Gomes tem 82 anos e mora na Amareleja. “Ontem (segunda-feira) da parte da tarde estava mesmo uma brasa”, confessou ele ao PÚBLICO, acrescentando que só consegue dormir “alguma coisa, depois das três da madrugada”, quando o tempo começa a refrescar. “Durante a manhã ainda escapa. Mas quando chegam as duas da tarde, só com um banhito é que aguentamos o calor”, observa.<_o3a_p>

Noites seguidas de temperaturas acima dos 25 graus “deixa-nos a cabeça avariada” porque não se dorme nada de jeito, sublinha Cuco Gomes, admitindo que “nunca se deu tão mal com calor como este ano”. E diz que “quando tinha 30 e 40 anos e andava na ceifa havia muita calma (calor na terminologia alentejana) mas aguentava melhor”. Na sua opinião, será “um problema da idade”.<_o3a_p>

Também Joaquina Neves, residente em Santo Aleixo da Restauração, se lamenta das noites mal dormidas. “Só a partir das quatro da manhã é que consigo descansa algumas coisa”. Mas para ela não há diferenças. Tão mau é de dia como de noite quando chega o Verão. “Olhe o tempo está como as brasas que estou fazendo para assar um peixito”, conclui a senhora que se despede desejando uns “bons dias de calor”. 

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