À procura da ciência para dar um salto em frente

Depois do foco na rolha, o sector parece empenhado em descobrir novos usos para a cortiça. Para ter sucesso, precisa de ciência. Como a cortiça é um recurso quase só português, a investigação que se fizer tem de o ser em Portugal.

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Nelson Garrido

Há mais de 20 anos que o sector da indústria anda à procura de um caminho para acabar com a excessiva dependência das rolhas. Durante todo este tempo, empresários ou dirigentes associativos não se cansaram de garantir que esse futuro estava ao virar da esquina. Os números, porém, desmentem essa expectativa: a fileira emprega 70% da matéria-prima no fabrico de pavimentos ou de materiais de construção, mas as receitas desses produtos na cadeia de valor ficam-se pelos 30%.

“Gostava de ver isto mais equilibrado”, admite João Rui Ferreira, presidente da Associação Portuguesa da Cortiça, Apcor, a associação que representa o sector. Um desejo que exige cuidados. “Se a rolha claudicasse, tudo o resto ia ao ar”, diz João Rui Ferreira. E, principalmente, exige ciência, o que é um problema e uma oportunidade: como a cortiça é um recurso renovável que só em Portugal tem um valor económico significativo, toda a investigação e desenvolvimento do futuro terá de ser feita pela ciência portuguesa.

As corticeiras, concentradas na zona norte do distrito de Aveiro, foram apresentando nas últimas décadas novidades nos pavimentos colocados no mercado, envolveram arquitectos e designers para provar a sua versatilidade estética. A cortiça apareceu em museus, nos comboios da Siemens ou em artefactos de alta tecnologia da NASA. Mas a inovação nas rolhas, seja nas acções contra o TCA, seja na cortiça aglomerada ou em rolhas, como a Helix, que imitam os vedantes de alumínio e plástico, foi mais intensa.

O valor total das exportações de materiais de construção e decoração foi por isso incapaz de descolar. Os materiais que se expedem sob a designação de “outros produtos” valeram no ano passado 254 milhões de euros – as rolhas chegaram aos 644 milhões. Há 15 anos, as exportações de produtos alternativos estavam praticamente na mesma posição – 252 milhões de euros.

Há sinais de que o sector está pronto para apostar a sério no desenvolvimento de novos materiais. A imagem de uma indústria menos monocolor instalou-se – “A cortiça tem hoje uma série de saídas que não tinha há alguns anos”, diz, por exemplo, Alírio Martins, presidente do Sindicato dos Operários da Cortiça.

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As novas aplicações da cortiça "são caminhos novos" para a indústria Nelson Garrido

Em vez de terem ficado dentro de portas a estudar novas formas de aplicar a cortiça, empresas médias como a Sedacor foram à procura de parceiros na têxtil ou no calçado. Seis anos depois das primeiras tentativas, a Sedacor desenvolveu com a Têxtil Penedo, com o centro tecnológico do sector, o Citeve, e com a Universidade do Porto um tecido colado em cortiça laminada. Um fio feito com 25% de fibras de cortiça está a ser patenteado.

“Daqui a uns anos vai ser tudo diferente”, diz Albertino Oliveira, director de marketing da Sedacor e um crente absoluto nas virtudes dos tecidos feitos com cortiça. “A cortiça tem resistência à abrasão. É quente de Inverno e fresca no Verão. É um produto ideal para clientes vegan, que querem tecidos o mais orgânicos possível”, diz Albertino.

Para a Sedacor, que como as congéneres está dependente da facturação no negócio das rolhas, está-se "no fim do início, depois de anos de investimento em pessoas e em tecnologias”, diz Albertino Oliveira. Os resultados são palpáveis: “Estamos a trilhar caminhos novos e temos produtos para apresentar. Não é só teoria.” O grande desafio no futuro próximo, porém, é aplicar cortiça em materiais compósitos capazes de entrarem no processo de produção de outras indústrias.

A TMG Automotive, por exemplo, usa pó de cortiça nas aplicações das portas de carros. Mas neste domínio a indústria ainda está no “princípio do princípio”. Para avançar precisa de ciência. Um recurso que a indústria é incapaz de produzir sozinha – mesmo que a sua empresa de ponta, a Amorim, gaste 7,5 milhões de euros por ano em investigação e desenvolvimento.

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