Direito de resposta

À Volta a Portugal falta-lhe um campeão carismático capaz de inverter a espiral descendente em que entrou.

Verão após Verão, ouvimos placidamente as lamúrias dos patrões do pelotão. Num exercício de auto-comiseração autista, queixam-se da escassa cobertura mediática dada à Volta a Portugal, sem terem a capacidade de olhar para dentro e perceber que o mal está neles e não nos outros. A Volta a Portugal já não é o que era – esfumaram-se as grandes equipas, os nomes internacionais, a competitividade e até os adeptos em palcos míticos como a Senhora da Graça – e só os mais teimosos se recusam a perceber.

Coloquem-se no nosso lugar: como vender um produto em que o vencedor (Gustavo Veloso), salvo azar, está definido à partida? Em que uma equipa (a W52-FC Porto) vai dominar a seu bel-prazer, como aconteceu nas últimas três edições (e em toda a temporada de 2016), dando-se ao luxo de escolher quando e onde vestir a camisola amarela ou de transformar a subida à Torre numa crono-escalada por equipas? Em que os ataques numa etapa emblemática como a da Torre se vão resumir a dois ou três safanões? Em que os colegas competem entre si, com o propósito de demonstrar que são melhor do que o outro e não de ganhar? E em que a mentalidade geral passa por segurar um lugar no pódio – o primeiro, esse, dão-no como perdido ainda antes do arranque – ao invés de arriscar tudo pela amarela, mesmo que o resultado seja tudo perder?

No entanto, tudo isto seria esquecido se o vencedor da Volta fosse um Peter Sagan à escala nacional, um ciclista espectáculo dentro e fora da estrada. Ou, para sermos mais realistas, um David Blanco. Mas Gustavo Veloso não é David Blanco. Perdesse ou ganhasse, o recordista de vitórias da prova atraía as pessoas, com as suas tiradas politicamente incorrectas e coloquiais, com a sua postura desprendida e, ainda assim, emotiva. Blanco vivia para ganhar na estrada e não para coleccionar "fãs" entre os adversários do pelotão. Quando algo corria mal, disparava (sobretudo contra os jornalistas), sem papas na língua. Era autêntico e, por isso, captava público de fora da modalidade, público que hoje nem sabe quem é Veloso. Ao actual bicampeão falta-lhe a essência transparente do vizinho galego, a aura que tornou Blanco uma figura do desporto nacional. E à Volta a Portugal falta-lhe um campeão carismático capaz de inverter a espiral descendente em que entrou.

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