O "Brexit" e a Democracia Europeia

As tendências de extrema-direita do norte da Europa só poderão florescer se essas sociedades abandonarem o modelo social europeu.

No mundo anglo-saxónico alimenta-se progressivamente a ideia de que o principal problema do Brexit não é económico, nem financeiro, nem se relaciona com o futuro do projeto europeu enquanto tal. Mas antes que este problema tem a ver com a manutenção do regime político surgido no pós-guerra.

Na realidade, e apesar de duas grandes guerras de proporções inimagináveis, a Europa refundou-se na segunda metade do Século XX e transformou-se no maior espaço económico do planeta em grande medida pelo ambiente democrático entretanto construído e aprofundado. Ou seja, democracia política, liberdade económica, e promoção do bem-estar social são eixos indissociáveis do projeto Europeu, e em grande medida responsáveis pelo seu enorme sucesso. Projeto que se traduziu desde logo na criação do Euro, ou seja numa união económica e monetária.

O projeto do Euro pretende a reconciliação, aparentemente impossível, entre as correntes neoliberais e social-democratas que predominaram nas democracias Europeias no último século dando origem a uma economia social de mercado. Esta visão teve como grandes obreiros, entres outros, o ordoeconomista Alfred Müller-Armack sob a superior orientação de Konrad Adenauer e de Ludwig Erhard. Mas o milagre económico da Alemanha, que se repercutiu um pouco por toda a Europa, associou-se sobretudo a um combate sem precedentes a condições sociais inadmissíveis e foi este aumento sustentado dos níveis de bem-estar de diferentes populações que permitiu décadas de convivência saudável, democrática e plural.

Pelo que a manutenção deste modelo de desenvolvimento social e económico no conjunto dos países da União Europeia, este sim, é o garante de que as tendências nacionalistas e antidemocráticas estão definitivamente ultrapassadas. E que independentemente da orientação ideológica, mais à esquerda ou mais à direita, o regime democrático irá preponderar em todo o espaço Europeu.

Ou seja, os valores da autodeterminação individual, da democracia participativa, da igualdade e da não discriminação, entre tantos outros, são conquistas civilizacionais bem enraizadas na Europa, ainda que subsistam alguns focos de xenofobia, isolacionismo ou mesmo de cultura antidemocrática. Pelo que apesar das potenciais consequências negativas do Brexit, deve reafirmar-se que a democracia não é uma prerrogativa dos países anglo-saxónicos – apesar do importante papel que tiveram na sua consolidação – mas que outras sociedades e outras culturas têm hoje uma maturidade democrática inabalável. Recorde-se, por exemplo, que apesar da gravíssima crise económica e social nos países do sul da Europa nunca esteve em causa o regime democrático. Nem em Portugal, nem na Espanha nem mesmo na Grécia. 

E as tendências de extrema-direita do norte da Europa só poderão florescer se essas sociedades abandonarem o modelo social europeu, afinal o último garante da paz entre os povos e de um desenvolvimento humano sustentado e sustentável.

Professor universitário

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