Camaleão da ria Formosa “segura” casas de veraneio

Os proprietários das casas clandestinas e a câmara de Olhão, com expedientes dilatórios na justiça – e já vão em nove acções - evitaram, para já, o derrube anunciado das habitações.

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Enric Vives-Rubio

As casas de férias na ilha do Farol, de recurso em recurso nos tribunais, vão resistindo às ordens de demolição do Ministério do Ambiente, previstas no Plano de Ordenamento da Orla Costeira. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (TAFL) negou mais uma providência cautelar – já somam nove acções  contra a Sociedade Polis Litoral da Ria Formosa para esta se abstenha de mandar deitar abaixo as casas de férias enquanto não apresentar um “plano de salvaguarda dos camaleões e seus habitats” nas ilhas barreiras. A última iniciativa, alegadamente em defesa do réptil, partiu de oito cidadãos, residentes em Faro e Olhão.

A juíza que decidiu a acção popular, no dia 30 de Junho, considerou não existir razão para mandar congelar o plano de acção da Sociedade Polis porque existem outros processos pendentes, noutras instâncias, visando os mesmo objectivos. Anteriormente, num outro processo interposto pelo município de Olhão, o Tribunal Administrativo Central Sul já condenara a autarquia por “ilegitimidade activa”. As ilhas- barreira Farol, Hangares e Culatra pertencem administrativamente à câmara de Faro. Nesta nova iniciativa judicial, diz o TAFL, só muda o nome dos requerentes porque os factos jurídicos “coincidem literalmente” com as acções anteriores, a decorrer noutras instâncias superiores.

O programa das demolições na ilha Formosa parou a meio com a chegada do Verão – foram derrubadas 390 casas na ilha de Faro e ilhotes até esta altura. A Culatra, por ser considerada uma comunidade piscatória, teve tratamento de excepção, mas as casas de férias nos Hangares e Farol estão assinaladas como sendo para derrubar. Por serem clandestinas e por se encontrarem em zona de risco. O programa de financiamento da operação, que conta com o apoio de fundos comunitários, está aprovado. O camartelo está previsto avançar assim que acabe o período balnear.

A Sociedade Polis, entretanto, tomou posse administrativa de mais duas casas na ilha de Faro, com o objectivo de mandar demolir. Uma dessas habitações pertence ao pescador António Soares, de 79 anos. O homem, viúvo, possui uma outra casa arrendada, a cair aos bocados, na travessa Luís de Camões, nº 7, em Olhão. Neste contexto, o tribunal considerou que a casa da praia seria uma segunda habitação.

A habitação de Olhão, em ruínas, não possui casa de banho, cozinha, e no lugar onde funcionou o quarto está um monte de lixo e pedaços de reboco que caiu das paredes. “Não desisti de pagar a renda [11,20 euros/mês] por sentimento - foi naquele sitio que o meu Carlinhos (Carlos Soares, o filho) nasceu há 50 anos”. O local, apesar de inabitável, continua a constar nas finanças como o domicílio fiscal do pescador, agora reformado. A cédula marítima que exibe tem carimbos de actividade permanente na ilha de Faro até 2005.

“Só me tiram daqui morto, esta é a minha casa”, proclama. Partiu a parede que a Sociedade Polis mandou erguer para barrar a entrada da barraca e continua a viver lá, junto à ria. As notícias chegam-lhe através de um rádio a pilhas. “Cortaram-me a electricidade, não vejo televisão”, justifica. O que o mantém espiritualmente activo, confessa, é a mensagem de esperança do papa Francisco. A paz é o caminho é o titulo do livro, da autoria de Jorge Bergoglio, que tem sobre a mesa-de-cabeceira.      

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