Eles dizem que caçam Pokémons porque a nostalgia os apanhou

Ainda não tem uma semana e o Pokémon Go já soma mais de um milhão de downloads em Portugal. Há quem diga que é uma coisa dos “oito aos 80”, mas é a geração de 90 que lidera o magote de “treinadores” de rua. Seguimos o fenómeno que, para um jogo, tem muito de negócio.

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A febre do Pokémon Go tomou conta das ruas neste Verão: há quem já lhe chame o “maior jogo mobile de sempre” Nélson Garrido
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Nelson Garrido

Pelo caminho do Rivoli, no Porto, bem se conhece o rodopio do dia-a-dia — mais os que vão de carro do que a pé —, com poucas paragens. Turistas ali e acolá. Algumas centenas em dia de espectáculo. Mas hoje, como nos últimos dias, há dezenas de pessoas que não arredam pé do local, à tarde e à noite, não fosse este “um grande sítio para apanhar Pokémons”.

Segundo Hugo Nunes, um dos administradores da comunidade Pokémon Go Portugal, escolhemos um dia “de pouca gente”. Nesta terça-feira, pouco passa das 16h30, cerca de 30 pessoas estão sentadas nas escadas da entrada do Rivoli e na Praça D. João I. À noite passamos por lá: eram perto de 80 às 22h30, cerca de 100 à meia-noite.

Olham para o telemóvel e murmuram nomes (indecifráveis para leigos) de Pokémons, os “monstros de bolso” que os anos 1990 trouxeram para as consolas Nintendo, para os “Tazos” e para a televisão. Através da aplicação gratuita para smartphone, “vivem” a realidade aumentada deste jogo que coloca nas ruas, vistas pelo ecrã, 150 diferentes Pokémons prontos para serem apanhados. Uma espécie de geocaching virtual, com muitos quilómetros pela frente, para “os apanhar a todos” — o objectivo popularizado pela série televisiva.

Encontraram no Rivoli um “local ideal de jogo”, porque o espaço tem quatro PokéStops muito próximas, o “cenário perfeito para colocar lures”, explica Hugo. Para leigos: no mapa da aplicação, o jogo identifica nas proximidades do Rivoli estas quatro PokéStops, locais onde os “treinadores” ganham Pokéballs (entre outros “trunfos”) para poderem apanhar Pokémons, quando se cruzem com eles na rua. É também nestes locais que podem instalar lures, os iscos que durante 30 minutos atraem os monstros virtuais para aquele local. E se vêm Pokémons, é certo que os “caçadores” vêm atrás.

É a ideia do videojogo original — lançado em 1995 — que passa para o dia-a-dia, ainda que nos ecrãs dos telemóveis: ter Pokémons a cruzar a rua, onde cada um pode ser um treinador. O objectivo, por estes dias, é ser o Ash, a Misty ou o Brock — os treinadores de Pokémons da série de televisão que chegou às 19 temporadas e cresceu ao lado da geração que hoje vive os seus 20 e poucos anos.

À caça de quê?

São feitos perto de cinco mil downloads por minuto, nos cerca de 40 países onde a aplicação está disponível — em Portugal contam-se um milhão só na Google Play Store, onde se pode descarregar a app para telemóveis Android, e isto nos escassos sete dias que passaram desde que o Pokémon Go passou a estar entre nós.

A “febre” já fez com que fosse considerado o “maior jogo mobile de sempre”, tendo superado o Twitter em utilizadores diários. Nos Estados Unidos, terá chegado a 10,8% dos telemóveis Android do país.

“Enquanto jogo, é uma pequena aplicação que permite fazer meia dúzia de coisas, não é um jogo complemente desenvolvido”, explica Nelson Zagalo, sociólogo especialista em Ciência e Tecnologia da Comunicação. Então, porque andam os jovens a caçar Pokémons?

“É a nostalgia. É mesmo a nostalgia” que os leva de caçada em caçada. “Para mim será assim, para outras pessoas será lazer. É da mesma maneira que as pessoas vêem futebol ou fazem outras actividades”, explica José Rocha, amigo de Hugo e também ele um jogador assíduo.

“Isto é muito uma coisa da geração de 90. Mesmo as estatísticas da nossa página mostram que a idade predominante é dos 18 aos 25 anos, o pessoal que viveu a primeira geração do Pokémon”. Ficou-lhes “o sonho de serem treinadores um dia. Agora, esse sonho pode ser um bocado real”, explica Hugo, e a história que conta também é a sua.

Nelson Zagalo acredita que “a questão nostálgica é extremamente relevante” neste fenómeno, assim como o facto de esta “ser a primeira vez que muitos experimentam a realidade aumentada”. “Os jogadores faziam este tipo de actividades dentro do jogo e agora estão a fazê-las com uma relação com o real, com a vantagem de o poderem fazer em equipas junto com os colegas.” O professor da Universidade do Minho reconhece, no entanto, que “não há fórmula para explicar como se tornou viral e tão depressa”.

“Isto tem muito de Angry Birds”, uma vez que o fenómeno “bola de neve” é muito semelhante à “febre pelos pássaros em 2010, que se acontecesse hoje não teria certamente o mesmo impacto”, descreve Nelson. “Se a bola começar a rolar leva tudo e todos consigo. Mesmo as pessoas que nem sabem o que são Pokémons começam a querer participar porque toda a gente fala disso.”

É esse o fenómeno que afecta alguns familiares de José: “Vemos miúdos de 16 anos a ensinar os pais e há pessoas na minha família, de 40 ou 50 anos, que aderiram para acompanharem os colegas no trabalho.” José vê um “contágio enorme”, não só nos meios frequentados por jovens mas também nos locais de trabalho.

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Tem 24 anos e, como Hugo, de 22, é um dos administradores da comunidade Pokémon Go Portugal: são 30 pessoas à frente desta comunidade que é, segundo dizem, a maior do país. Com página e grupo no Facebook, Instagram e um fórum de discussão, querem ser o grupo oficial do jogo em Portugal. “Isso era o sonho”, mas é preciso a “autorização” das criadoras do jogo, a Niantic e a Nintendo, explica Hugo.

Como estes, multiplicam-se os grupos nas redes sociais que juntam “treinadores” da mesma cidade, universidade ou até equipas — como as três existentes no videojogo original. A “febre” nas redes sociais é proporcional à que se vive nas ruas.

Mas há quem não saia de casa apenas “pela caça”: “Há pessoas que só querem apanhar Pokémons, mas há outros que querem competir e conquistar gyms [ginásios]”. Enquanto Hugo explica, paramos nas traseiras da Câmara do Porto, que no ecrã do seu telemóvel — como em todos os dos que jogam Pokémon Go — é um ginásio de combate e treino destas criaturas. Atrás, a fonte da Igreja da Trindade é outra PokéStop, como as que rodeiam a sala de espectáculo.

Bárbara Guedes, de 18 anos, já fez 18 quilómetros em quatro dias de jogo. Alguns deles a caminho do Rivoli, onde já conheceu “várias pessoas”. “Este jogo junta muito a comunidade dos jogos.” E se isto de caminhar não era “uma coisa que fizesse regularmente”, o hábito dos jogos já o tinha: “Jogava League of Legends e Counter Strike Go. Tudo isto dentro de casa”, sentada ao computador, até “a vontade de apanhar Pokémons” a ter “obrigado a vir para a rua”.

Guerra nas redes sociais

A maioria dos que por aqui se encontram tem um perfil de jogo parecido com o de Bárbara: 15 a 20 quilómetros percorridos, levam três ou quatro dias de jogo. Os mais aficionados “costumam aproveitar a noite”, destaca Hugo. Conhece casos de pessoas que já chegaram aos quase cem quilómetros e de quem tenha perdido peso por ter deixado “de jogar sentado ao computador”.

Nelson Zagalo concorda que “a relação com o real do jogo é muito bem conseguida”, através da ligação que tem com o Google Maps. “As pessoas reconhecem os locais e sentem que o jogo está aqui, na terra delas, mesmo ao lado”, uma percepção rara noutros jogos. “Isso provoca uma proximidade imensa e é isso que as pessoas mais desejam em qualquer tipo de conteúdo. Todo o que seja familiar dá-nos conforto e é assim que se sentem no jogo”, explica o sociólogo.

A “obrigação de ter de caminhar” e sair à rua para jogar, conhecer novas pessoas e descobrir “monumentos e espaços da cidade que não se conhecia” são os grandes argumentos que os jogadores usam contra as críticas dos muitos que são inumes à “febre”.

Mas o jogo tem dividido opiniões nas redes sociais. As principais críticas fazem-se ouvir pelas longas horas de jogo e o vício dos jogadores. Há também quem se queixe de barulho durante a noite, por ouvirem discussões sobre o jogo e nomes de Pokémons na rua, e há vários apelos a que os “treinadores” não conduzam ou caminhem enquanto jogam.

A PSP e a GNR confirmaram ao PÚBLICO que não foram registados, em Portugal, incidentes graves que envolvam a “caça”. Mas os relatos de “alguns incidentes, lesões graves e até alguns crimes” noutros países levaram a PSP a elaborar um manual para caçar Pokémons em segurança e a GNR a fazer um apelo semelhante no Facebook.

Tours, táxis e marcas patrocinadas

Há “treinadores” por toda a cidade e não é difícil detectá-los: “Não é só estarem a olhar para o telemóvel. Os jogadores andam sempre com um powerbank, porque a bateria do telemóvel só daria para jogar pouco mais de hora e meia.” Hugo refere-se aos carregadores portáteis, procurados por quem quer jogar mais do que a bateria de um smartphone permitiria. E já começou a corrida às lojas, “tanto que há várias marcas que têm feito promoções”.

Os cafés também aproveitam. “Disseram-nos que tinham PokéStops à porta, para aproveitarmos e passarmos por lá”, refere Hugo. “Somos contactados por entidades, empresas, concelhos, tudo”, orgulha-se José.

A quase uma hora do Porto, não há Rivolis e são poucos os turistas, mas no jardim frente à Câmara de Felgueiras não passam despercebidos os grupos de jovens a olhar para o telemóvel. Este foi um dos municípios que contactou a equipa do Pokémon Go Portugal para pôr a aplicação ao serviço do turismo e da divulgação do património, explica José.

Ao virar da esquina pode também estar a possibilidade de marcas virem a patrocinar locais no mapa virtual. O CEO da Niantic, John Hanke, admitiu ao Financial Times que as “localizações patrocinadas são a segunda componente do nosso modelo de negócio".

E para aqueles que não queiram anda à “caça” a pé, no OLX há já 43 anúncios de serviços de táxi para apanhar Pokémons, um pouco por todo o país. Custam entre 20 e 30 euros por hora, com acesso à Internet e carregador de telemóvel incluídos. Os últimos dez surgiram em dois dias.

Não há, no entanto, quem ganhe mais que a Nintendo, cujas acções valorizaram 120% em bolsa desde o lançamento de Pokémon Go. “Esta é uma segunda vida para a marca, que conseguir reinventar-se e ter mais sucesso que há 20 anos”, descreve Nelson. Game on.

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