A protecção das fontes e o respeito pelo jornalismo

A protecção das fontes e o respeito pelo jornalismo são fundamentais. São preferíveis verdades que incomodem em detrimento de mentiras que encantem.

1. Nos últimos meses, voltou ao espaço público, o debate sobre a protecção das fontes, o respeito pelo jornalismo e o seu impacto  na qualidade de democracia. O caso do Banif com a TVI é um exemplo de entre outros, do oportunismo para a diabolização ao jornalismo. Mas existem mais casos. Porque, a liberdade de informação constitui uma condição indispensável para a existência de um Estado de direito democrático e pluralista. Sem ela não haveria lugar a uma sociedade moderna, livre e transparente, em que os cidadãos pudessem participar de forma activa, plena e esclarecida na vida política, social, económica e cultural do seu país. Sem a liberdade da informação, a qualidade da nossa democracia será muito mais fraca.

Uma das mais importantes emanações da liberdade de informação é, por sua vez, a liberdade de imprensa, a qual, de resto, se encontra desde logo consagrada no artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa. E a liberdade de imprensa implica, nos termos da Lei Fundamental, “A liberdade de expressão e criação dos jornalistas”, bem como “o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais”.

Igualmente o n.º 1 do artigo 11.º do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 1 de Janeiro, dispõe, na sua actual redacção, que, “Sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, directa ou indirecta.” E o n.º 5 do referido preceito acrescenta que os responsáveis dos órgãos de comunicação social “não podem, salvo mediante autorização escrita dos jornalistas envolvidos, divulgar as respectivas fontes de informação...”.

2. Ora, os jornalistas devem, assim, ter direito de acesso às fontes de informação e possuem, concomitantemente, o direito de protecção do sigilo profissional. E facilmente se compreende que assim seja: é que em muitos casos o acesso às fontes de informação não se concretizaria se essas fontes não se encontrassem devidamente salvaguardas pelo sigilo profissional dos próprios jornalistas.

Assim, se compete aos jornalistas fundamentalmente revelar factos, ninguém duvidará que muitos desses factos, principalmente quando estamos na presença do denominado jornalismo de investigação, apenas lhes são disponibilizados caso as respectivas fontes disponham de uma suficiente e sólida garantia de confidencialidade, sem a qual aquela relevante missão social não poderia ser desempenhada.

Consequentemente, o jornalista tem o chamado direito ao silêncio no que se refere à revelação das suas fontes de informação, o qual se assume como corolário natural da própria liberdade de imprensa.

Para este entendimento concorre, aliás, o próprio código deontológico dos jornalistas, nos termos do qual, se “O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade” (n.º 1), devendo ainda “usar como critério fundamental a identificação das fontes”, o qual só afastável, “mesmo em juízo”, quando estas sejam “confidenciais”. Excepção a essa excepção, passe o pleonasmo, é a circunstância de essas fontes “tentarem usar [o jornalista] para canalizar informações falsas” (n.º 6).

3. Por isso não surpreende também que a doutrina do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas sustente a obrigação da fonte de “prestar informações verdadeiras e de basear a confidencialidade num legítimo receio de danos, pessoais ou profissionais, em si próprio ou em pessoas próximas, se a sua identidade for revelada”.

Daqui decorre que a não divulgação da fonte de informação apenas deve ter lugar quando a mesma disponha de uma justificação concreta e plausível, mas também merecedora de tutela, o que só deverá suceder quando os interesses ou direitos do seu autor sejam dignos de protecção e não fundados em razões espúrias, fúteis ou de natureza análoga.

Por esta razão, o Código de Processo Penal (CPP) prescreve, no n.º 1 do seu artigo 135.º, que os jornalistas, entre outras profissões, podem escusar-se a depor sobre factos abrangidos pelo respectivo segredo profissional. Certo é que, esclarece o número seguinte, “Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária (…) procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.”

Mas é o n.º 3 do referido artigo do CPP que oferece o critério geral para o levantamento do sigilo profissional dos jornalistas, ao estatuir que o tribunal “pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos.”

4. Consequentemente, a jurisprudência nacional sustenta que “O critério adoptado pelo nosso legislador é o de que o tribunal só pode impor a quebra do segredo profissional quando esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante”, pelo que “só se justifica fazer tal ponderação se o levantamento do sigilo se mostrar indispensável para a investigação do crime” (in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.2.2010).

O princípio da nossa lei é, pois, o de que os jornalistas só poderão ser obrigados a revelar as suas fontes mediante decisão judicial, sempre justificada, e que deverá ter que ver com a protecção de outros direitos fundamentais, como sejam, por exemplo, os de personalidade, e estes sejam considerados, no caso concreto, como de relevância superior aos interesses que o segredo visa proteger, de acordo com o aludido princípio da “prevalência do interesse preponderante”.

A protecção das fontes não é, pois, um direito absoluto, já que pode ser sacrificado nos casos em que a informação não seja verdadeira e essa circunstância fosse do conhecimento do seu autor que, assim, transmitiu dolosamente uma informação falsa.

5. Questão mais complexa é a que respeita a informações que, sendo ‘verdadeiras’, são alcançadas e transmitidas aos jornalistas de forma ilegal. Neste sentido, bem notam os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira que “Não deixa porém de levantar problemas o sigilo profissional quando as informações forem obtidas de forma ilícita, e, até, criminalmente sancionável, com violação, por ex., do segredo de justiça” (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed. rev., 2007, pág. 583).

Nesses casos, dispondo o n.º 8 do artigo 86.º do CPP que “O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes…”, o artigo 371.º do Código Penal pune “Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de ato de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça…”

Trata-se de formulações que, invocando pretenderem defender mais eficazmente aquele bem, não deixaram de alargar o seu âmbito de previsão a um tal ponto que pode, na realidade, conflituar com o próprio exercício do jornalismo e com o dever de informação que a estes profissionais cabe desempenhar na sociedade.

Daí que importe ponderar com elevado bom senso os interesses em presença, recusando de um lado a devassa ilegítima mas, do outro, também uma instrumentalização do princípio da “prevalência do interesse preponderante” que, na prática, possa contribuir para comprometer o escrutínio social de que o jornalismo é um instrumento fundamental.

6. Em conclusão, a protecção das fontes e o respeito pelo jornalismo, são fundamentais, para não só a qualidade da nossa democracia social, económica e cultural, bem como para a solidificação do nosso Estado de direito democrático, na observância estrita dos direitos liberdades e garantias, previstos no texto constitucional. E tendo sempre presente, que são preferíveis verdades que incomodem em detrimento de mentiras que encantem.

Mestre em Direito, deputado do PSD e Presidente da Comissão Parlamentar do Trabalho e Segurança Social

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