“Casas de autonomia” para jovens condenados estão há ano e meio para sair do papel

Director-geral dos Serviços Prisionais, Celso Manata, garante que “já há um edifício em vista” em Lisboa para a primeira “casa de autonomia”. A coordenadora da comissão de acompanhamento dos centros educativos lamenta “oportunidade perdida”.

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Nova lei de 2015 prevê que jovens possam sair do centro educativo depois de cumprida metade da pena DANIEL ROCHA

Eram uma das grandes novidades da Lei Tutelar Educativa e destinavam-se a acolher jovens que tivessem cumprido pelo menos metade da medida de internamento, preparando-os para um regresso mais suave à liberdade. Porém, mais de ano e meio após a entrada em vigor da lei, nenhuma “casa de autonomia” saiu do papel. “Estamos a desperdiçar uma oportunidade importantíssima. Estas ‘casas de autonomia’ permitiriam fazer a educação para o direito dos jovens e verificar como é que estes se reposicionavam em meio aberto, no fundo, perceber se a reeducação para o direito nos centros educativos tinha ou não funcionado”, lamenta Maria do Carmo Peralta, coordenadora da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos.

Celso Manata, que regressou no início deste ano à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), garante que não há aqui nenhuma oportunidade perdida. “Estamos a trabalhar nisso e até já temos um edifício em vista para criar uma casa de autonomia em Lisboa”, adiantou ao PÚBLICO, acrescentando que a ideia é “pôr as coisas a andar” lá para Setembro, porque a prioridade por estes dias é gerir “a turbulência criada pelo fim das comissões de serviço de cerca de 200 funcionários” da DGRSP.

“Temos uma ideia do sítio e vontade de avançar. Se conseguirmos validação da tutela, a primeira casa de autonomia poderá ser uma realidade mais depressa do que se pensa”, afiançou Celso Manata, dizendo que a ideia, aliás, é replicar o modelo para o meio prisional.

Para os seis centros tutelares educativos existentes actualmente no país (com uma lotação de 198 lugares) são encaminhados os jovens, com idades entre os 12 e os 16 anos, que praticaram actos qualificados pela lei como crime. O que a nova lei tutelar educativa propôs foi que estes jovens pudessem, após cumprirem pelo menos metade da pena de internamento, transitar para o chamado “período de supervisão intensiva”.

Liberdade com condições

Este período, que se assemelha à liberdade condicional e que varia entre os três e os 12 meses, pode ser vivido em “meio natural de vida” (por exemplo, na habitação dos pais) ou, “em alternativa, e sempre que possível, em casa de autonomia, gerida pelos próprios serviços de reinserção social, por entidades particulares sem fins lucrativos, ou por organismos da Segurança Social, mediante protocolo".

Durante este período de “supervisão intensiva”, os jovens continuariam sob alçada do tribunal, entre cujas regras de conduta poderá estar a obrigatoriedade de frequentar o sistema educativo ou a proibição de frequentar determinados locais. A supervisão estaria sempre nas mãos dos serviços de reinserção profissional, a cujos técnicos competiria assegurar um plano de reinserção social para o jovem.

A filosofia subjacente a estas medidas é de aplaudir de pé, segundo Maria do Carmo Peralta. “Quando alguém vai para um meio asséptico, em que as leis que nos regulam se alteram substancialmente, o seu comportamento muda. No caso dos miúdos, quando entram num centro educativo, entram num microcosmos em que as relações de poder se alteram. A lei tutelar diz que eles devem ser reeducados para o direito, mas a questão é que isso só pode ser feito em meio aberto, e não fechado", explica. "A sua transferência para as casas de autonomia, em que ficam sob supervisão intensiva, permitiria verificar de que forma eles se reposicionam em meio aberto face ao que aprenderam e aos instrumentos que adquiriram”.

Abdicar disso, “libertar os menores directamente do meio fechado, em que se regem segundo leis próprias, para a rua ou para o meio de onde vieram é convidá-los a reeditar o comportamento que os levou à prática de ilícitos”, aponta a também procuradora.

Avanços e recuos

Cerca de três meses depois de a lei, que não era mudada há 15 anos, entrar em vigor, o então subdirector da DGRSP, Licínio Lima, assegurava que já estavam destacados os seis técnicos de reinserção social aos quais competiria a supervisão dos menores abrangidos pela medida (três em Lisboa e os restantes no Porto e em Coimbra). E Teresa Ricou, a responsável do projecto cultural e educativo Chapitô, em Lisboa, propunha-se gerir uma dessas “casas de autonomia”, rentabilizando assim os conhecimentos adquiridos durante décadas de trabalho com jovens sujeitos a medidas tutelares educativas.

O Chapitô tem actualmente uma tenda de circo montada no centro tutelar educativo de Caxias, onde os jovens podem receber alguma formação em artes circenses. “Já temos a funcionar uma residência destinada aos jovens que saem em liberdade e estão interessados na escola do Chapitô. E já mostrámos há muito tempo o nosso interesse em gerir uma das ‘casas de autonomia’ para os jovens que saem mas que ainda estão no cumprimento da medida [tutelar educativa]. O problema é que até agora ninguém no ministério ou na direção-geral dos serviços prisionais se disponibilizou para falar connosco”, explicouTeresa Ricou.

Em sentido contrário, o director-geral dos serviços prisionais, Celso Manata, garantiu não lhe ter chegado qualquer “manifestação concreta de interesse”.

Independentemente da entidade que a vier a tutelar, nenhuma “casa de autonomia” poderá ser posta a funcionar sem a respectiva regulamentação. Há um ano e meio, a lei tutelar educativa remetia para um decreto-lei específico as normas reguladoras de instalação e funcionamento destas casas. Até agora, nada foi feito nesse sentido. Mas Celso Manata também não se mostra preocupado. Porquê? “Porque entre o momento em que decidimos criar uma casa e se fazem as obras e se forma a equipa, há mais do que tempo para trabalhar na regulamentação.”

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