Municípios do Algarve recorrem à justiça para travar prospecção de petróleo

Autarcas da região entregaram duas providências cautelares no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, para impedir início das pesquisas e esperam conseguir a anulação dos contratos.

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A sociedade civil algarvia tem-se mobilizado contra a prospecção de petróleo e gás na região Enric Vives-Rubio

Os autarcas algarvios entregaram esta quinta-feira no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (TAFL) duas providências cautelares com o objectivo de travar a pesquisa e exploração de gás e petróleo, em terra e no mar. Estas duas iniciativas correm em paralelo com acções, de iniciativa da Comunidade Intermunicipal do Algarve — Amal, que visam anular os contratos assinados entre o Estado português e o consórcio ENI-Galp e a Portfuel (do empresário Sousa Cintra), alegando os prejuízos ambientais irreversíveis e impactos económicos e sociais negativos no sector turístico.

Após meses de contestação das populações, os autarcas, a reboque dos movimentos cívicos — com particular destaque para a comunidade de estrangeiros residentes —, passaram das palavras aos actos.  Os advogados da Amal, João Vidal e Afonso Café, entregaram no tribunal duas acções visando o Estado português por ter concedido a privados um “título de utilização do espaço marítimo nacional, violando, na sua perspectiva, legislação nacional e directivas internacionais”. É a resposta ao início, iminente, de sondagens de prospecção de hidrocarbonetos, em terra e na costa, depois de décadas em que os indícios de existência de gás e petróleo foram desvalorizados. 

No caso das sondagens que vão ser levadas a cabo pela ENI-Galp, na bacia do Alentejo e Algarve — sujeitas ainda à consulta pública que está a  decorrer até ao dia 2 de Agosto —, os advogados alegam que  estas poderão colocar em causa a vida marinha, e por via de degradação ambiental, o sector turístico e a qualidade de vida das populações. Uma das técnicas usadas nas perfurações, dizem, citando documentos científicos, é o recurso a disparos de ar. Tal prática, alegam, “constitui uma lâmina afiada dirigida aos ouvidos da maior parte dos peixes e mamíferos que habitam em redor do foco do ruído”.

 Em terra, as críticas estão viradas para a última concessão atribuída à Portfuel, de Sousa Cintra — que poderá recorrer a um tipo de  pesquisa que, notam, implica o “golpeamento da rocha com uma broca causando a sua fragmentação por esmagamento”. O impacto ambiental, queixam-se, é ainda “muito mais significativo” por envolver sítios protegidos pelas directivas comunitárias sobre zonas especiais de conservação (ZEC), no que diz respeito a aves selvagens e habitats. Tanto nas operações em terra (onshore) como no mar (offshore) estas actividades “são as que mais geram resíduos de toda a indústria, incluindo resíduos perigosos, com alto grau de toxicidade e presença de contaminantes”. Uma das razões pelas quais o contrato deve ser anulado, defendem os advogados, diz respeito à falta da realização da “avaliação de impacto ambiental”.

O empresário algarvio, com historial no sector imobiliário, surgiu no negócio dos petróleos no final da legislatura do Governo de Passos Coelho — com direito a explorar, em terra, 46% do território da região, na faixa que se estende pela zona serrana de Aljezur a Tavira. As pesquisas e posterior exploração de petróleo e gás natural — dizem os advogados, citando estudos científicos — “podem causar poluição ambiental por resíduos líquidos e sólidos ou emissões gasosas”. A possibilidade da contaminação química do solo e das águas subterrâneas  é uma das ameaças que mais receios geram na população.

Movimento contesta opção do país

Os autarcas deslocaram-se ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé para, simbolicamente, se associarem (juntamente com o presidente da Região de Turismo do Algarve, Desidério Silva, e do presidente da Associação Empresarial do Algarve-Nera, Vítor Neto) a uma luta que ganha dimensão nacional. O que pretendem, declarou o presidente da Amal, Jorge Botelho, é que seja declarada a “nulidade dos contratos”, impedindo que a Portfuel faça perfurações, como já anunciou, e que a Eni-Galp desista da exploração. 

O actual Governo pediu um parecer sobre a legalidade dos contratos da Portfuel ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República que acabou por se mostrar favorável  à manutenção dos contratos da empresa de Sousa Cintra, reconhecendo o poder discricionário do anterior executivo para autorizar a concessão. “O parecer ainda não foi divulgado, para conhecermos a fundo qual foi a argumentação”, disse Jorge Botelho, sublinhando que as decisões do anterior executivo “podem, eventualmente, não ser legais”. “O que nós queremos discutir é o teor dos contratos.” Por seu lado, o advogado João Vidal recordou: “O conselho consultivo da PGR não é um tribunal.”

Ao final da tarde de ontem, no cinema S. Jorge, em Lisboa, foi apresentado publicamente o movimento Futuro Limpo, que juntou associações que lutam contra a prospecção e exploração de petróleo e gás natural em Portugal, em especial no Algarve. Este movimento, encabeçado pelo realizador de cinema António-Pedro Vasconcelos, e cujo manifesto é subscrito por mais de 100 personalidades, pretende mobilizar a opinião pública contra o que considera ser um “crime ambiental, económico e social”, em marcha avançada. O consórcio  Repsol-Partex anunciou a intenção, a seguir ao Verão, de abrir o primeiro furo de pesquisa de gás, a cerca de 40 quilómetros da costa, ao largo de Olhão-Tavira. O local encontra-se na mesma área da bacia de Cádis, onde a Repsol explorou gás durante 40 anos.

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