Congresso brasileiro põe fim à era de Eduardo Cunha… com um ex-aliado de Cunha

Só no Brasil: Rodrigo Maia é eleito presidente da Câmara dos Deputados, com os votos da direita e esquerda, e sob gritos de “Fora Cunha".

Foto
Rodrigo Maia celebra a sua eleição como presidente da Câmara dos Deputados AFP/ANDRESSA ANHOLETE

A renúncia de Eduardo Cunha à presidência da Câmara dos Deputados brasileira, na semana passada – entre lágrimas que não comoveram o país –, precipitou uma corrida para ocupar o seu cargo que teve os habituais ingredientes da política em Brasília: intriga, troca de favores, manobras palacianas, alianças improváveis. Na madrugada de quinta-feira, os deputados brasileiros elegeram o novo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, sob gritos de “Fora Cunha”, num sinal de aparente renovação lançado à sociedade – apesar de Maia ter sido, até há muito pouco tempo, um aliado de Eduardo Cunha.

Rodrigo Maia foi reeleito deputado em 2014 com apenas 53 mil votos, é líder de um partido conservador, o DEM (Democratas), que é uma sombra do que foi (a bancada passou de 105 deputados eleitos em 1998 para 21 em 2014), mas nada disso o impediu de ter uma vitória folgada que o tornou um dos políticos mais decisivos da nação, com o controlo da agenda legislativa. O mandato é curto – seis meses, até Fevereiro de 2017, que é quando haverá novas eleições para a presidência da Câmara dos Deputados, de acordo com o calendário – mas consequente: o Governo interino de Michel Temer pretende aprovar, ainda este ano, um conjunto de projectos impopulares, entre eles as reformas do sistema de pensões e do código do trabalho, e para isso irá precisar de uma base aliada coesa no Congresso. Além disso, caberá ao presidente da Câmara dos Deputados assumir o governo do país sempre que Michel Temer estiver ausente no exterior.

Rodrigo Maia foi um opositor ferrenho dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Durante o processo de impeachment (destituição) de Dilma no Congresso, chamou “fascista” a Lula. Dedicou o seu voto a favor do impeachment ao pai, César Maia, ex-presidente da Câmara do Rio de Janeiro, dizendo que ele tinha sido “atropelado pelo PT”, o partido de Lula. Mas a sua eleição na madrugada de quinta-feira contou com o apoio do PT, ao qual Maia agradeceu no discurso de vitória.

A vitória de Rodrigo Maia foi possível graças à união improvável entre sectores do PT e de partidos como o PSDB e o PSB contra a influência de Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados. Dito de outro modo, Maia conseguiu atrair esquerda e direita, antiga oposição (no Governo de Dilma) e nova oposição (ao Governo de Temer), ultrapassando divisões ideológicas, graças a um sentimento generalizado de rejeição de Eduardo Cunha. E, sobretudo, graças a um instinto de autopreservação: os congressistas sabem que precisam de emitir um sinal para fora de que o reinado de Cunha acabou.

Maia ganhou, porque o outro deputado tido como favorito na corrida, Rogério Rosso, foi carimbado como uma escolha de Cunha. Rosso foi o presidente da comissão especial da Câmara que analisou o pedido de impeachment de Dilma Rousseff e o aprovou. A sua derrota, na segunda volta da eleição de quinta-feira, foi interpretada como uma derrota do chamado “centrão”, o grupo de partidos conservadores que escolheu Cunha e foi decisivo no impeachment.

A eleição foi disputada e chegou a ter, a dado momento, 17 candidatos. Quando o processo começou, na quarta-feira à tarde, restavam 14. Marcelo Castro, último ministro da Saúde de Dilma Rousseff, chegou a ser visto como uma séria ameaça, reunindo a oposição e os desalinhados do Governo de Michel Temer, mas nas últimas 24 horas o Palácio do Planalto entrou em campo para esvaziar e neutralizar a sua candidatura. Ironicamente, o candidato dissidente é do mesmo partido de Temer, o PMDB.

Apoiada pelo PT, a candidatura de Castro também foi prejudicada pela dispersão de candidaturas de esquerda e não sobreviveu à primeira volta da votação. Com Castro fora da disputa, o PT deu liberdade à sua bancada para votar como quisesse, apesar de, em off, admitir que a maioria dos seus votos iriam para Maia. Trinta e quatro deputados, entre eles toda a bancada do partido de esquerda PSOL, ausentaram-se da Câmara entre a primeira e segunda votações.

Questionado por jornalistas sobre a sua posição em relação a Eduardo Cunha – que, apesar de ter o mandato suspenso, continua a ser deputado e enfrenta um processo interno relativo às suas contas secretas na Suíça alegadamente alimentadas por dinheiro de subornos –, Rodrigo Maia foi diplomático. “Ajudei a eleger o Eduardo Cunha presidente. É possível que ele tenha sido o melhor presidente que já tivemos, mas talvez tenha tido poder demais. Não vou protegê-lo nem persegui-lo", declarou.

Antigo aliado de Cunha, Maia só rompeu com ele por razões pessoais, quando foi preterido para o lugar de líder do Governo Temer na Câmara dos Deputados, que cobiçava (Cunha apoiou André Moura, que ficou com o título). A partir de então, Rodrigo Maia passou a destacar a sua distância política em relação a Cunha como um trunfo. Apesar de se ter projectado como o candidato anti-Cunha, é duvidoso que a sua gestão venha a consolidar uma renovação política. O resto do país também não parece acreditar nisso. Só Brasília finge que sim.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários