Porto sem salas de consumo assistido, fica-se por um estudo

Trabalho será desenvolvido por uma divisão da Câmara do Porto, no prazo de seis meses, e será acompanhado por uma comissão da AM

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Cáritas diz que haverá um "periodo de vazio" no atendimento aos toxicodependentes Sérgio Azenha

Os deputados municipais do Porto rejeitaram por maioria, esta quinta-feira, a proposta do Bloco de Esquerda (BE) que abria a porta à criação de uma sala de consumo assistido na cidade. O debate, que ficara adiado da semana anterior, terminou com a aprovação da proposta conjunta dos independentes liderados por Rui Moreira e do PS, para que se estude a situação na cidade, durante seis meses.

Ainda antes do debate começar já se desenhara o sentido da votação que se seguiria – a partir do momento em que os independentes do Porto, o Nosso Partido e o PS apresentaram uma proposta recomendando ao executivo que a “recém-criada divisão municipal de Promoção da Saúde, produza, no prazo de seis meses, um relatório sobre a situação da cidade em matéria de toxicodependência, envolvendo todas as entidades pertinentes, designadamente nas áreas da saúde e social, de modo a fundamentar de modo adequado o estabelecimento de novas medidas políticas”, que se antecipava o chumbo à proposta, mais arrojada, do BE.

Ainda assim, a bloquista Susana Constante não desistiu de tentar fazer os colegas das restantes bancadas mudarem de ideias, argumentando que “a decisão política” de recomendar a criação de uma sala de consumo assistido “é do foro dos direitos humanos”. “Provavelmente vamos ouvir argumentos para que se faça um novo estudo, avaliando a toxicodependência no seu todo, quando temos há 15 anos uma estratégia de luta contra a droga”, disse. Mais tarde, a deputada municipal, insistiria que a recusa da proposta do BE era “triste” e que “o desconhecimento não significa que não existe fundamentação técnica, ela existe e temos convivido com ela”.

Os argumentos da bloquista não chegaram, contudo, para convencer as bancadas do PS, dos independentes de Rui Moreira e da CDU. E o apoio partiu apenas do grupo Porto Forte (PSD/PPM/MPT), que já tinha anunciado que não iria apresentar qualquer proposta, deixando liberdade de voto aos seus deputados, por estar em causa, segundo Luís Artur, líder da bancada, uma questão “de consciência”. Natacha Teixeira (PSD) lembrou que a sala de consumo assistido “é um instrumento, não uma estratégia em si” e que uma estrutura daquele género iria “contribuir para a estratégia concertada na redução de riscos”. A deputada argumentou ainda: “Podemos questionar a urgência, mas a pertinência e necessidade foi referida por todos os peritos que estiveram no Rivoli [onde o tema foi discutido, por iniciativa da AM, em Março]”.

Natacha Teixeira disse-se ainda “chocada” por grande parte dos deputados terem “há muito tempo decidido a intenção de voto”, e o colega de bancada, Eduardo Carqueja (PPM), lamentou que existisse na AM, em alguns sectores, “disciplina de voto”, afirmando: “Isto não é para criar uma sala de chuto hoje, mas para que se tomem diligências nesse sentido”.

A proposta do BE, que seria rejeitada com 28 votos contra, 10 a favor e 8 abstenções, recomendava ao executivo de Rui Moreira que “proceda às diligências necessárias [junto do SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências] para a implementação de um projecto experimental de Sala de Consumo Assistido (…), em articulação com outras respostas existentes ou em preparação, e cujos resultados (…) deverão obrigatoriamente ser avaliados ao fim de um ano pelos organismos públicos com intervenção nesta área”.

A que saiu vencedora prevê a realização de um estudo e, segundo uma adenda sugerida pelo vereador da Acção Social, Manuel Pizarro, que seja criada uma comissão de acompanhamento, no seio da AM, daquele trabalho a desenvolver em seis meses. Manuel Pizarro foi, aliás, o principal defensor desta proposta, argumentando que “o debate tem que ser feito com profundidade e seriedade". “Quero que o debate seja feito com mais consistência técnica e científica”, defendeu o vereador, afirmando que das reuniões que tem mantido com o SICAD, a criação de uma sala de consumo assistido não tem aparecido como uma prioridade. “O que me têm dito sempre é que é preciso um centro de abrigo na Zona Oriental e um centro de apoio no centro histórico. Depois se veria que outros mecanismos são necessários”, disse.

Artur Ribeiro, da CDU, disse concordar com muito do que dissera Pizarro, referindo também que dos vários representantes de associações ligadas ao problema com que a coligação se tem reunido “ninguém referiu a necessidade da sala de injecção assistida”. O deputado municipal acabaria por fazer uma das declarações mais polémicas da noite ao dizer que os casos de pessoas a injectarem-se na rua “praticamente até à morte”, como se viam no Bairro de S. João de Deus “hoje praticamente não existe no Porto” e que “não há situações de grande desespero”. A CDU acabaria também por ver chumbada a sua proposta que, além da realização de “um diagnóstico” se dirigia à Assembleia da República, recomendando uma série de medidas.

O BE, que votaria contra a proposta vencedora, por considerar que ela comporta a “negação de uma realidade incómoda” e não dá “suficiente crédito às opiniões e propostas das associações e organizações que exercem, num terreno difícil, um trabalho social e humanitário relevantíssimo”, recebeu, no final da sessão, o apoio de alguns munícipes dessas mesmas associações. Mas houve também quem desse os parabéns à AM, como Duarte Nunes Correia, que saudou “o bom senso” de se optar por um estudo prévio, antes de se partir para o que chamou de "experimentalismos sociais". 

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