Clinton escapa aos tribunais mas não se livra do rótulo de desonesta

FBI não encontrou provas de que a antiga secretária de Estado usou o seu email pessoal para pôr em causa a segurança nacional, mas disse que ela e os seus colegas foram "extremamente negligentes".

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Hillary Clinton Robyn BECK/AFP

Ao fim de um ano de investigações, o director-geral do FBI disse esta terça-feira que não encontrou qualquer motivo para acusar formalmente Hillary Clinton pelo uso do seu email pessoal durante os anos em que foi secretária de Estado da Administração Obama, entre 2009 e 2013.

Mas as boas notícias para a campanha de Clinton acabam aqui: apesar de escapar aos tribunais e a um inevitável abandono da corrida à Casa Branca, a imagem de política mentirosa e desonesta que a antiga secretária de Estado tem junto de milhões de eleitores norte-americanos saiu ainda mais reforçada.

Numa comunicação sem direito a perguntas dos jornalistas, o director-geral do FBI, James Comey, disse que Clinton e os seus funcionários do Departamento de Estado foram "extremamente negligentes na forma como trataram informação sensível e classificada ao mais alto nível".

Ao contrário do que Hillary Clinton sempre disse, os investigadores encontraram 110 emails que estavam marcados como informação confidencial no momento em que foram trocados – a actual candidata à Casa Branca pelo Partido Democrata disse sempre que esses emails só tinham sido classificados mais tarde, já depois de terem sido trocados.

Mesmo nos casos em que isso aconteceu (e foram muitos, "cerca de 2000"), o director-geral do FBI fez questão de frisar que "qualquer pessoa sensata, na posição da secretária [de Estado] Clinton, ou na posição dos funcionários do Governo com quem ela trocou correspondência sobre essas matérias, deveria saber que um sistema não classificado não era o sítio mais adequado para essas conversas".

Em causa esteve uma investigação ao facto de Hillary Clinton ter montado o seu próprio sistema de emails para trocar mensagens pessoais e referentes ao seu trabalho enquanto secretária de Estado – as regras do Governo americano, instituídas já na era Obama, aconselham todos os altos funcionários a usarem o email oficial por dois motivos: por segurança e para ser mais fácil arquivar os documentos oficiais para a posteridade.

Apesar disso, uma investigação paralela da inspecção-geral do Departamento de Estado, divulgada em Maio, também criticou duramente a forma como Hillary Clinton e pelo menos um dos seus antecessores, Colin Powell (2001-2005) misturaram assuntos pessoais e profissionais – Madeleine Albright (1997-2001) não usava email porque não era o método de comunicação privilegiado no final do século passado; Condoleezza Rice (2005-2009) disse que não usava email (nem pessoal nem profissional) por opção; e John Kerry (actual secretário de Estado, desde 2013) disse que chegou a responder a emails enviados de contas oficiais a partir do seu email pessoal, mas que deixou de o fazer quando foi alertado pelos seus conselheiros.

Afinal havia outros servidores

Avançando uma informação desconhecida até agora, o responsável do FBI disse também que Hillary Clinton não manteve apenas um servidor na sua residência em Chappaqua, no estado de Nova Iorque, como a actual candidata do Partido Democrata sempre afirmou. E nem sequer usou apenas um telemóvel, mas sim vários, quando um dos seus argumentos para explicar o uso de um endereço de email pessoal em vez do oficial do Departamento de Estado era a conveniência de andar apenas com um aparelho.

"A secretária [de Estado] Clinton usou vários servidores diferentes e recorreu a vários administradores para esses servidores durante os quatro anos no Departamento de Estado, e usou vários telemóveis para ler e enviar emails nesse domínio pessoal. À medida que novos servidores e outros equipamentos eram postos a funcionar, os servidores mais antigos eram retirados de serviço, guardados e desmantelados de várias formas", revelou o director-geral do FBI.

Apesar de ter usado vários servidores e vários telemóveis pessoais para trocar emails sobre assuntos profissionais, os investigadores do FBI dizem que não encontraram qualquer indício de que Hillary Clinton ou alguém da sua equipa o tivesse feito com a intenção de pôr em causa a segurança nacional ou de prejudicar os interesses do país.

"Olhando para as nossas investigações sobre uso indevido ou remoção de informação classificada, não conseguimos encontrar um único caso que daria azo à instauração de acusações criminais. Todos os casos que motivaram acusações envolveram uma combinação de: intenção clara e premeditada de tratar informação classificada de forma errada; ou uma quantidade enorme de materiais expostos que podem levar à conclusão de que houve dolo; ou indicações de deslealdade em relação aos Estados Unidos; ou esforços para obstruir a justiça. Não encontramos nada disso neste caso", salientou James Comey.

Ataque informático "é possível"

Os investigadores do FBI também tentaram perceber se os servidores pessoais de Hillary Clinton foram alvo de ataques informáticos directos, principalmente por agências ou organizações de países considerados hostis aos EUA. A resposta foi "não", mas veio acompanhado de um "mas" do tamanho do mundo: mesmo que tenha havido algum ataque directo, não seria possível detectá-lo.

O que o FBI descobriu foi que algumas contas de email comerciais de pessoas que trocaram mensagens com Hillary Clinton foram atacadas; que o seu uso de um servidor pessoal era conhecido por muita gente; e que a antiga secretária de Estado trocava emails no estrangeiro, "em território de adversários sofisticados".

"À luz desta combinação de factores, consideramos possível que actores hostis tenham tido acesso à conta de email pessoal da secretária [de Estado] Clinton", disse James Comey – uma frase que será, naturalmente, explorada até à exaustão pelos seus adversários políticos na campanha pela Casa Branca.

Mais fogo para a campanha

Como já se esperava, o candidato do Partido Republicano, Donald Trump, acusou o "sistema" de estar "viciado": "O director do FBI disse que a Hillary Desonesta comprometeu a nossa segurança nacional. Não há acusações. Uau!", escreveu Trump no Twitter.

A última palavra cabe ainda à procuradora-geral norte-americana, Loretta Lynch, que, como chefe do Departamento de Justiça, é responsável por avaliar a recomendação feita esta terça-feira pelo FBI. Mas o resultado dessa decisão já foi previamente anunciado, quando Lynch disse que aceitaria qualquer que fosse a recomendação do FBI.

O anúncio da procuradora-geral foi feito na sexta-feira passada, na sequência de um episódio que veio dar mais balas à campanha de Donald Trump e aos eleitores que consideram Hillary Clinton uma pessoa desonesta e mentirosa. No início da semana passada, o seu marido e ex-Presidente, Bill Clinton, encontrou-se com a procuradora-geral no aeroporto internacional de Phoenix, no estado do Arizona, e estiveram ambos à conversa cerca de meia hora. Ambos disseram que só falaram dos netos e de golfe, mas desde então já lamentaram terem conversado daquela forma numa altura em que Hillary Clinton ainda estava a ser investigada.

 

 

 

 

 

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