O negócio do sangue

Há 30 anos que se discutem as vantagens de as colheitas de sangue do cordão umbilical serem feitas em bancos públicos ou privados. Em Portugal existe um banco público desde 2009, o Lusocord, e pelo menos seis laboratórios e três empresas privadas que se dedicam ao mesmo negócio. No caso dos privados, a palavra correcta é mesmo negócio, já que enquanto os bancos públicos colhem, tratam e armazenam unidades de sangue do cordão para uso alogénico (realizado com sangue do cordão de outra pessoa, que fez uma doação altruísta), no caso dos privados — em que a recolha é feita para uso autólogo (com o sangue do cordão do próprio) ou familiar — funcionam numa lógica de lucro. Em Portugal, paga-se 1000 a 2400 euros por amostra guardada.

Além da lógica financeira, há um sem-número de razões e associações de médicos que recomendam o banco público em detrimento do privado. A maior de todas talvez seja a evidência dos números. Segundo dados do Comité Europeu para a Transplantação de Órgãos, “foram realizados muito menos de 1000 transplantes com sangue do cordão autólogo nas últimas décadas, em contraste com mais de 30.000 transplantes de sangue do cordão de dadores não relacionados realizados em todo o mundo”.

Em Portugal, ainda antes de encetar a discussão público/privado, é preciso perceber por que razão é que o público aparentemente não funciona, com um saldo confrangedor de apenas 463 amostras criopreservadas ao fim de sete anos de actividade. A resposta é a de sempre: desinvestimento, falta de meios e de pessoal. Mais grave são as acusações e insinuações que continuam sem resposta. A antiga directora do Lusocord denunciou que empresas privadas estariam a pagar 800 a 1000 euros/mês a profissionais de saúde de hospitais públicos para que promovessem os seus serviços, em detrimento da doação ao banco público. É verdade? O anterior presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida também se queixa: “Deixa-se que impere a lei do marketing destes laboratórios privados, que acenam com hipóteses mirabolantes de utilização remota e que criam uma culpabilidade nas grávidas que não recolhem o sangue do cordão umbilical”. É verdade? Enquanto não tivermos respostas para estas denúncias e não for resolvida a questão da escassez de meios, a eficácia do banco público continuará a deixar muito a desejar.

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