Os juízes portugueses e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

Os médicos também ficam doentes e os juízes também são partes...

Três juízas portuguesas são as protagonistas da mais recente decisão do TEDH que condenou Portugal por decisões, dos tribunais portugueses terem violado o direito a um julgamento imparcial.

As três juízas apresentaram uma queixa no TEDH contra o Estado Português alegando que, nos processos disciplinares que lhes aplicaram penas diversas, o Supremo Tribunal de Justiça, no recurso, se recusara a reapreciar os factos estabelecidos pelo Conselho Superior de Magistratura (CSM) que tinham determinado as suas condenações.

Por outro lado, tinham sido impedidas de ter uma sessão de julgamento pública no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e aí apresentar testemunhas ou de, por exemplo, poder demonstrar que a sua produtividade não era a que decidira o CSM e que fundamentara a sua punição.

Independentemente das faltas disciplinares apontadas aos juízes no processo disciplinar e no recurso judicial, o TEDH preocupou-se em saber se tinham sido asseguradas as garantias de defesa que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos consagra. E que a nossa Constituição também consagra.

Nos termos do art.º 6.º da CEDH, “qualquer pessoa tem o direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoa´vel
por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela
lei, o qual decidira´, (...) O julgamento deve ser pu´blico...”.

Para o TEDH, o facto de o CSM, o órgão disciplinar que punira os juízes em causa, poder ter, em determinados momentos do seu funcionamento, uma maioria de não magistrados a decidir, isto é, uma maioria de membros indicados pelo presidente da República e pela Assembleia da República, punha em causa a sua imparcialidade.

Igualmente o facto de ao STJ, nos recursos, estar vedada por lei, a integral reapreciação dos factos considerados provados pelo CSM foi considerado pelo TEDH como constituindo um recurso insuficiente. E, no mesmo sentido, o TEDH entendeu que a recusa de uma sessão de julgamento pública e da possibilidade de fazer ouvir uma testemunha tinham violado o direito a uma audiência pública, direito fundamental de todo o direito penal e processual penal democrático.

Portugal foi, assim, no passado dia 21 de Junho, condenado a indemnizar os magistrados em causa e viu declarada publicamente a sua violação do art.º 6.º da CEDH. Para o TEDH, os juízes não podem ter uma justiça inferior em direitos de defesa da que tem qualquer cidadão. Na verdade, não faz sentido em casa de ferreiro, espeto de pau.

Ainda neste domínio dos magistrados a litigarem em tribunal, o STJ, no passado dia 25 de maio, proferiu uma curiosa decisão respeitante a um litígio com um magistrado.

O juiz em causa intentara uma acção judicial de intimação para prestação de informações contra o CSM porque este lhe recusara o acesso ao "teor integral do registo biográfico", ao "registo das faltas", às "avaliações de desempenho dos últimos 7 anos" e ao "registo disciplinar" de um juiz já falecido.

Para o STJ, nos termos da lei, o acesso a esses elementos só seria legítimo se o juiz em causa tivesse autorização escrita do juiz falecido (ou de quem o representasse) ou demonstrasse um interesse pessoal directo suficientemente relevante; ora não havia autorização escrita e se bem que se pudesse considerar que o juiz em causa tinha um interesse no acesso aos documentos – dado o facto de ser parte num processo onde tivera intervenção o juiz a que respeitava o registo biográfico e demais elementos a que pretendia aceder –  não parecia que tal interesse fosse legítimo (no sentido de legalmente admissível) ou suficientemente relevante segundo um juízo de proporcionalidade.

Para o STJ, não havia direito de acesso aos documentos que o juiz pretendia, já que todos eram estritamente pessoais; mesmo o documento mais inocente, o registo biográfico, podia conter dados (registo criminal e sobre a saúde) com acesso reservado; as "faltas", em princípio, incluem as razões que as ditaram; as "avaliações de desempenho", contêm necessariamente apreciações e juízos de valor sobre a pessoa e o "registo disciplinar", no entender do STJ, revelariam aspectos do foro íntimo do juiz falecido, pelo que o seu conhecimento por terceiros era inaceitável. E, no caso, o juiz que pretendia ter acesso a tão ampla documentação sobre a vida do falecido, não concretizara por que motivo pretendia tão extensa documentação, não sendo assim proporcional o sacrifício da vida privada do falecido. Deste modo, os 8 juízes conselheiros do Plenário da Secção do Contencioso do STJ, julgaram improcedente a acção de intimação recusando intimar o CSM a entregar a documentação pretendida.

Parece, no entanto que, se nem tudo se justificava entregar, sempre seria de ordenar a entregar do que fosse justificado...

Advogado, francisco@teixeiradamota.pt

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