Avaliação competente, capital consequente

Aliar as duas faces da moeda para uma estratégia vencedora no sector das Lifescience.

Alguns exemplos nacionais do sector da biotecnologia (biotech) e das tecnologias médicas (medtech) podem parecer um mito ou um futuro distante. São, por exemplo, o caso de uma empresa que, após dez anos de desenvolvimento de um produto aplicado ao diagnóstico rápido, tem cerca de noventa quadros altamente especializados a desenvolver uma tecnologia 100% portuguesa, que muito pode revolucionar a indústria do diagnóstico rápido, criar emprego especializado, aproveitar quadros vindos das universidades, e que já angariou diversos prémios. Outro exemplo que podemos dar é de uma empresa que desenvolve um sistema único no mundo ligado à genómica e à medicina de precisão. Empresa essa que arrecadou dois prémios internacionais, um dos quais que a classificou como a segunda maior promessa Europeia na área do e-health. Também na área do medicamento, outra empresa start-up, resultante de uma parceria entre a academia e uma empresa farmacêutica portuguesa, pela primeira desenvolve um medicamento oncológico em Portugal. Foi galardoada com a patente mais relevante da década em Portugal.

Podemos pensar que este é o cenário daqui a alguns anos, devido a todas as políticas e notícias de investimento que existem. No entanto, estamos a falar de 2016. Estes exemplos são reais e são portugueses: Biosurfit, Coimbra Genomics e Luzitin. Um factor de orgulho, sim! O que fazemos em Portugal tem qualidade e é reconhecido, muitas das vezes mais no exterior do que no país. No entanto, o que temos, embora com qualidade mundial, ainda é escasso (mas está a evoluir). A dimensão do país não se aplica, a geografia periférica de Portugal também é um argumento insuficiente. Afinal, tendo nós uma das gerações de recursos humanos mais bem preparada, ou uma infra-estrutura descentralizada pelo país e de qualidade mundial, o que leva a que estes bons exemplos não perfaçam mais do que a dezena?

Analisando diversos países que já fizeram este caminho, e conseguiram que este sector seja uma das referências, há várias notas a salientar. Uma delas, a capacidade de comunicação e troca de experiências. Outra, a capacidade de organização operacional. Ter os diversos organismos do Estado e os privados a funcionarem de forma coordenada, com um desígnio comum e de acordo com uma estratégia nacional e não de acordo com os ímpetos de cada uma das organizações. Por último, ter uma estratégia concertada entre todos para que não haja alterações a cada mudança de ciclo político. Só após este alinhamento se criará uma dinâmica que resulte em atracção de capital; que consiga avaliar correctamente os projectos; que invista neles a longo prazo, e que os faça evoluir e acompanhar investimentos futuros.

A área das ciências da vida (life sciences) e a biotecnologia exigem conhecimento profundo e uma avaliação complexa de risco. A probabilidade de sucesso é muito baixa. Como consequência, exige-se uma avaliação competente e capital consequente. Estas duas variáveis são as faces da mesma moeda que potenciam o garante do sucesso. Estas duas faces da moeda são indissociáveis. Nas geografias da excelência do sector, como Boston e São Francisco, uma não pode existir sem a outra. Não há projectos que fiquem pelo caminho pela menor competência na avaliação, bem como investimento e capital também não faltarão quando a relevância científica e a translação comercial são óbvias.

É nestas duas faces da moeda, avaliação competente e capital consequente, que temos que investir. O tamanho do país e a periferia geográfica devem ser factores menores e muito menos uma fonte de preocupação. Há países que, embora pequenos e periféricos, são hoje referências: Finlândia e Dinamarca, ou mesmo Israel. Fizeram o seu percurso e dotaram-se de uma avaliação competente. A avaliação dos projectos profissionalizou-se e dotou-se o sistema de capital de uma forma consequente. Como exemplo, a Finlândia realizou o spin-off da estrutura estatal de investimento, concentrando o investimento em life sciences num fundo autónomo, profissional na avaliação e na gestão autónoma das empresas participadas para apoio à expansão global das empresas finlandesas. Daqui resultou que, em 15 anos, a Finlândia tenha nas life sciences um dos sectores mais vibrantes da sua economia. Outro exemplo, a Dinamarca, em que o fundo estatal integrou um novo fundo de capital de risco de apoio às empresas start-ups, dotando o sistema de melhor avaliação e mais capital. A acrescentar, em Israel, o Estado apoiou, firmemente, a criação de uma indústria de capital de risco, investindo milhões em fundos geridos por empresas internacionais mas cujo investimento se destinava, sobretudo, a Israel.

Estes bons exemplos aconteceram em países pequenos, de geografia periférica, em que o sector das life sciences era inexistente ou pouco sofisticado, numa altura em que assistíamos ao desenvolvimento da biotecnologia liderado por Boston e São Francisco.

Estamos em 2016, Portugal tem a sorte de ter pela frente a oportunidade de agarrar o grande momento de viragem tecnológica, a revolução 4.0, onde há uma convergência de áreas científicas com as tecnologias de informação. A grande tendência é a consolidação entre o conhecimento médico e biológico, e as tecnologias de informação, dando origem ao que chamamos e-health. Sistemas que vão alterar a nossa vida, onde a saúde poderá ser monitorizada em tempo real e remotamente. É a grande tendência global, e não podemos perder esta oportunidade.  

Perdemos a primeira onda da biotecnologia. Os países que atrás mencionei souberam aproveitá-la. Nós, em Portugal, temos de ter a capacidade de acompanhar a onda do e-health, sem preconceitos de dimensão ou geografia. Temos capacidade tecnológica e competências. Massa crítica de profissionais que corresponderam em pleno ao grande investimento de Portugal feito no sistema científico nos últimos vinte anos, e infra-estruturas de nível global. Haja vontade de todos: políticos, financeiros e profissionais, para construírem um alinhamento. A ambição existe, a capacidade científica e empreendedora também. Alinhemos as duas faces na mesma moeda: avaliação competente e capital consequente, e em poucos anos os exemplos não serão dez, mas cem!

Presidente da P-BIO — Associação Portuguesa de Bioindústrias

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