Marido infiel condenado a pagar 15 mil euros por danos morais à mulher

Supremo decidiu atribuir indemnização a mulher de 70 anos, que marido abandonou várias vezes para ter outros relacionamentos. Violação de deveres conjugais pode dar origem a indemnização.

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Para o tribunal, o homem violou de forma grave os deveres conjugais Paulo Pimenta

Se é casado, retenha, desde já, esta informação: se ao longo do casamento violar de forma grave os deveres conjugais (fidelidade, coabitação, cooperação e respeito, por exemplo), pode ter que pagar uma indemnização, por danos morais, à sua mulher ou ao seu marido. Isto, independentemente de um eventual divórcio. Isso mesmo deixou claro o Supremo Tribunal de Justiça num acórdão de 12 de Maio, em que condena um marido infiel a pagar 15 mil euros por danos morais à mulher.

A acção, que exigia uma compensação de 100 mil euros por danos não patrimoniais, foi intentada em Dezembro de 2012 por Rosa (nome fictício), hoje com 70 anos, depois de o marido, com quem já não vivia desde 2000, ter pedido o divórcio. O tribunal de primeira instância condenou o marido a pagar, a título de danos morais, 33 mil euros à mulher. Três mil euros por cada um dos 11 anos em que o homem, embora casado, não viveu com a mulher, tendo tido vários relacionamentos amorosos.

Isto porque para o tribunal ficou provado que “os abandonos do lar conjugal, os relacionamentos com outras mulheres e o desprezo pelo acompanhamento e crescimento das filhas causaram grande mágoa à mulher”. Rosa, comprovaram os juízes, perdeu a alegria de viver. Tornou-se uma pessoa triste e deprimida, que vivia fechada em casa. E teve que recorrer a consultas de psiquiatria.

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Rosa casara-se em 1967 com 21 anos. O marido tinha 19. Tiveram duas filhas. Em 1982, o ano em que fariam 15 anos de casados, o marido saiu de casa. Foi para o Luxemburgo e, durante nove meses, deixou-a a ela e às filhas sem suporte financeiro, lê-se no acórdão. Voltou e, entre 1982 e 2000, manteve-se na casa de família. Fazia, no entanto, “saídas nocturnas esporádicas, com chegada a horas tardias, sem dar qualquer satisfação”. E, em 2000, voltou a sair de casa “por ter outros relacionamentos amorosos”, dando mensalmente à mulher entre 650 e 850 euros. Em 2011, pede o divórcio. Durante esses 11 anos, voltou a casa quando quis, nomeadamente para passar o Natal. E chegou a passar férias de Verão com a mulher.

Estes foram, em traços gerais, os factos dados como provados pelo tribunal de primeira instância e que a Relação e também o Supremo mantiveram praticamente inalterados. No entanto, a Relação fez uma leitura diferente dos factos e absolveu o marido. Considerou que Rosa, perante as primeiras violações dos deveres conjugais, deveria ter pedido o divórcio e que essa “omissão” não tornava “exigível ou sequer eticamente proporcional” obrigar o marido a pagar-lhe uma indemnização.

O Supremo não concordou e reverteu a decisão. Voltou a condenar o marido, não a pagar os 33 mil euros da primeira instância mas, ainda assim, a desembolsar 15 mil euros. Isto, mais juros de 4% ao ano, a contar desde que o homem foi notificado da acção. E voltou a insistir numa jurisprudência que se tem afirmado ao longo dos anos: quem violar de forma grave os deveres conjugais pode ter que pagar uma indemnização, por danos morais, ao cônjuge.

Duas perspectivas

Numa análise detalhada sobre este tipo de casos, os juízes Manuel Gomes, Maria Trigo e Carlos Faria explicam que existem duas perspectivas sobre esta questão. Uma de cariz tradicional, que nega o direito de indemnização com base na tese da fragilidade da garantia dos deveres conjugais, face à impossibilidade de impor estes deveres e ao carácter íntimo deles, defendendo o princípio da auto-regulação familiar; e outra, a sustentada pelo Supremo, que defende a possibilidade de o cônjuge lesado ser indemnizado, em acção autónoma à do divórcio, mesmo durante o casamento, nos termos gerais da responsabilidade civil.

“No meio desta polémica, a jurisprudência dos nossos tribunais foi abrindo caminho no sentido de considerar indemnizáveis, em processo comum, os danos não patrimoniais decorrentes da violação dos deveres conjugais, independentemente de tal violação constituir ou não fundamento de divórcio ou de este ter sido pedido”, resume o Supremo.

As alterações introduzidas em 2008 ao regime de divórcio não alteraram a possibilidade desta indemnização, consideram os juízes conselheiros. Apesar de se ter acabado com o divórcio-sanção, que se fundava na violação dos deveres conjugais, afirmam que a lei continua a enunciar esses deveres, que continuam a merecer tutela.

Sobre o caso em concreto, os juízes do Supremo sublinham que o facto de Rosa não ter pedido o divórcio não representa “uma atitude de perdão ou de renúncia aos direitos de indemnização”. E consideram “compreensível” a passividade de Rosa, que, com uma pensão de reforma de 274 euros, dependia financeiramente do marido. Avaliam o comportamento deste como ofensivo “da dignidade pessoal” da mulher, revelando “desprezo pela sua auto-estima”. E condenam-no a pagar-lhe 15 mil euros.

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