O Bloco de Esquerda disse a palavra tabu

Apesar de ter alguma rede de segurança, Catarina Martins elevou demasiado a fasquia. Referendo?

A X Convenção do Bloco que decorreu este fim-de-semana no pavilhão desportivo do Casal Vistoso não teve grande história a nível interno. A moção A, que reúne as principais correntes do BE, a da porta-voz Catarina Martins, ganhou com larga maioria. Com fraca oposição interna, a líder, que agora assume sozinha o papel de coordenadora do partido, falou sobretudo para fora. Até porque a Convenção do partido acontece num momento de grande turbulência na Europa por causa do “Brexit” e numa altura em que o partido irmão do Bloco em Espanha, o Podemos, tenta fazer o “sorpasso” (a ultrapassagem) do PSOE em votos e mandatos.

Os líderes do Bloco não escondem que estariam bastante confortáveis em fazer o mesmo em Portugal ao PS. Assumem, sem timidez, que querem governar. Pedro Filipe Soares, ao apresentar a moção da direcção, fez a pergunta e tratou ele próprio de dar a resposta: “Quer o BE ser Governo? A resposta é: quer ser a força mais forte do Governo de Portugal”. O BE que apareceu no Casal Vistoso é um Bloco que quer a todo o custo agarrar e reclamar como suas bandeiras e causas que lhe podem consolidar e aumentar a base eleitoral, à custa naturalmente de votos dos socialistas. “Nem mandamos no Governo, nem perdemos as nossas bandeiras”, asseverou Marisa Matias.

Uma das bandeiras é a da ideologia. Se em Espanha Pablo Iglesias quer roubar a bandeira da social-democracia ao PSOE, rebaptizando-a “nova social-democracia”, por cá o bloquista José Manuel Pureza arroga-se o direito de dizer ao socialista António Costa o que é ser e não ser socialista. A outra bandeira é a da luta contra a austeridade, reclamado para si os louros de medidas simpáticas, como a da tarifa social da luz e gás. E pelo caderno de encargos que deixou na Convenção para negociar o Orçamento para 2017 – aumento real das pensões, descongelamento do indexante de apoios sociais, investimento público e combate à precariedade –, o PS bem pode puxar da máquina calculadora se quiser manter o apoio do BE e ao mesmo tempo os compromissos de Bruxelas.

Nesta luta de bandeiras, o BE quis na sua convenção hastear mais alto a bandeira da luta contra as sanções de Bruxelas, mas Catarina Martins exagerou ao colocar em cima da mesa a possibilidade de um referendo em Portugal caso a Comissão Europeia concretize as ameaças de aplicar sanções a Portugal e a Espanha. O BE tenta dar um salto talvez maior do que a perna, mas sabe que tem uma rede de segurança: após o “Brexit”, a probabilidade de Portugal ou Espanha serem alvo de sanções baixou substancialmente, o que permite ao BE aparecer como grande opositor das sanções sem correr riscos excessivos. Mas ao colocar de forma extemporânea e quase leviana a palavra “referendo” à permanência da União Europeia na agenda nacional, o BE arrisca-se a ficar isolado e a perder não só capital político, como a destruir a tal imagem de “força mais forte do Governo de Portugal” que quer construir.

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