A Espanha de Rajoy não é um país normal

O último e enésimo escândalo foi apenas isso, mais um. Apesar da nova normalidade, mesmo que a direita fique no poder o seu líder deverá ser afastado.

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Candidato à reeleição, Rajoy terá certamente que sair de cena para desbloquear uma solução de governo Marcelo del Pozo/Reuters

O Partido Popular será com todas as probabilidades o mais votado nas eleições de domingo, as segundas legislativas em seis meses para os espanhóis. Mas, aconteça o que acontecer, Mariano Rajoy dificilmente voltará a ser chefe de Governo nesta Espanha que em 2011 lhe deu uma esmagadora maioria absoluta.

Em qualquer país democrático, a divulgação (a quatro dias de umas eleições nacionais) de uma alegada conspiração do partido no poder para incriminar adversários políticos teria consequências nas urnas. Nesta Espanha não é certo que assim seja.

Num país em crise de regime, onde a confiança das pessoas nos partidos tradicionais não pode descer mais baixo, a lógica já foi há muito ultrapassada e os critérios de sempre deixaram de fazer sentido. Afinal, esta é a Espanha onde os jornais mainstream assumem desde 2012 a existência de uma “polícia política” ou “patriótica” ao serviço do PP e com “o objectivo claro de atacar os inimigos políticos”, sejam estes independentistas catalães ou Pablo Iglesias (El País).

Recapitulemos. Na terça-feira à tarde, o diário Publico.es começou a divulgar gravações de encontros entre o ministro do Interior em funções, Jorge Fernández Díaz, e o director do Gabinete Antifraude da Catalunha, Daniel de Alfonso, onde o governante sugere ao magistrado formas de implicar líderes de dois partidos catalães em escândalos de corrupção. Numa segunda reunião, o ministro garante-lhe que “o presidente do Governo [Mariano Rajoy] sabe” de tudo.

Estes encontros tiveram lugar há quase dois anos, em Outubro de 2014, semanas antes de uma consulta sobre a independência da Catalunha, defendida pelos políticos em causa e à qual o PP se opunha ferozmente. O seu conteúdo foi confirmado por Alfonso, enquanto o ministro Fernández se limitava a dizer que as palavras estavam “editadas e descontextualizadas”, recusando outras explicações.

Rajoy, por seu turno, disse que não sabia de nada e repetiu que não é nada consigo. Não só ignorou a exigência, feita em uníssono pela oposição, para demitir de imediato o ministro, como garantiu que Fernández, um dos seus mais próximos aliados, lhe “merece toda a confiança”.

Outra coisa não seria de esperar. Afinal, trata-se do primeiro-ministro que decidiu que uma maioria absoluta de 60% chegava para ser inimputável. O mesmo que passou uma legislatura a recusar explicar-se de todos os escândalos, independentemente da sua gravidade, e de todas as decisões, estivesse em causa a contabilidade paralela do seu partido ou o seu pedido de fundos europeus para recapitalizar o sistema financeiro.

República das bananas

“Não só isto não é ‘normal’ como num país ‘sério’, dirigido por Rajoy, não numa república das bananas, este enésimo escândalo custaria o lugar ao presidente do Governo em funções, candidato a permanecer no cargo”, escreveu em editorial o diário digital infoLibre. “Rajoy não se pode colocar à margem do ‘caso Fernández Díaz’”, considera o jornal El País. Até para o El Mundo (de direita), trata-se de “um comportamento sem margem de dúvida inapropriado”.

“Em democracia, a polícia está ao serviço da democracia e não dos partidos políticos”, sublinhou Albert Rivera, líder do Cidadãos, o partido de centro-direita que está em quarto lugar nos inquéritos e é o que mais facilmente se deixará convencer a apoiar um governo PP. Pedro Sánchez, líder do PSOE, que, segundo Rajoy, tem a obrigação de o apoiar em nome da estabilidade e para salvar o país dos “extremistas do Podemos”, notou que não há “maior expressão da corrupção” do que o uso partidário de instrumentos de Estado.

Se Rajoy não fosse ainda suficientemente tóxico, este último escândalo terá servido para o tornar absolutamente venenoso para qualquer eventual parceiro. “O escândalo complica ainda mais as possibilidades de que o actual inquilino da Moncloa [o palácio que é a residência oficial do chefe de Governo] possa reclamar os apoios necessários para continuar a governar no caso de o PP ser a força mais votada”, conclui o diário El País.

Por mais que o líder conservador escolha permanecer na sua bolha e continue a garantir que não faz tenções de se afastar, se a direita ainda sonha permanecer no poder sabe que terá de se ver livre dele e ensaiar um novo começo.

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