Cruzamentos eclécticos e uma homenagem a Shakespeare nos festivais de Espinho e Alcobaça

Mário Laginha e Pedro Burmester a dois pianos e a paixão de Romeu e Julieta na releitura do compositor oitocentista Charles Gounod preenchem os concertos de abertura.

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Mário Laginha e Pedro Burmester no concerto Três Pianos DR

A partir deste fim-de-semana, Espinho e Alcobaça serão palco de dois festivais que contam já com uma longa tradição no panorama musical português e se caracterizam pela variedade de propostas e de intérpretes. A 42ª edição do Festival Internacional de Música de Espinho inicia-se no sábado (às 22h) com um recital a dois pianos por Mário Laginha e Pedro Burmester, que testemunha uma bem sucedida parceria artística que olha sem complexos estilos e heranças musicais de vários quadrantes. Criações de compositores portugueses da área do jazz como João Paulo Esteves da Silva, Bernardo Sassetti e o próprio Laginha, as sonoridades brasileiras de Pixinguinha, a inspiração cubana que percorre algumas páginas de Aaron Copland, o modernismo francês de Debussy e Ravel e o eterno legado de Bach irão conviver, lado a lado, como prelúdio a uma programação que tem vindo a tornar-se cada vez mais ecléctica. 

Dia 26, às 21h30, tem lugar a abertura do Cistermúsica 2016 - XXIV Festival de Música de Alcobaça, que este ano irá assinalar a efeméride dos 400 anos da morte de William Shakespeare. Os programas temáticos e a combinação entre obras raramente ouvidas e páginas famosas da história da música ocidental, em conjunto com um lugar destacado para a música portuguesa, têm sido constantes da direcção artística do violetista e compositor Alexandre Delgado. O primeiro concerto (“Vamos contar uma ópera”) é dedicado à versão de Romeu e Julieta, de Gounod, e tem a participação do Coro e Orquestra da Academia de Música de Alcobaça e da actriz Filomena Gonçalves na narração. A direcção musical é do pianista Armando Vidal e a encenação de Carlos Antunes.

No Festival de Espinho será possível ouvir a 1 de Julho um recital a solo pela pianista búlgara Plamena Mangova (2º Prémio do prestigiado Concurso Rainha Elisabete de 2017) com peças de Chopin, Liszt, Albéniz e Ginastera, e, a 15 de Julho, um recital de música de câmara pelo violinista Daishin Kashimoto e pelo pianista Éric Le Sage. A estes dois músicos, com relevantes carreiras internacionais como solistas, junta-se no dia 17 o violoncelista Claudio Bohórquez na interpretação do Trio nº 1 de Brahms e do Triplo Concerto, de Beethoven, esta última obra em conjunto com a Orquestra Clássica de Espinho. Ainda no âmbito do repertório com orquestra, destaca-se a presença da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música e o regresso da veterana do violoncelo Natalia Gutman, figura de referência da escola russa, num programa com música de Arensky, Shostakovich e Tchaikovsky.

No dia 2, François Salque (violoncelo) e Vincent Peirani (acordeão), distinguidos com o prémio “Victoires du jazz” de 2014 e 2015, combinam temas tradicionais da Europa central com o tango, o jazz e a música erudita, e no dia 3 o agrupamento Sete Lágrimas propõe também o cruzamento entre referências eruditas e populares, percorrendo tradições orais e escritas de verias épocas em versões próprias que se estendem desde a Renascença ibérica às músicas da diáspora portuguesa na África e na Ásia. 

O trompetista italiano Paolo Fresu e o pianista cubano Omar Sosa trazem o repertório do seu CD Eros e o alaúdista tunisino Dhafer Youssef retoma o seu álbum Birds Requiem, marcado pela fusão entre o jazz e a música árabe. O encerramento, dia 22, é igualmente marcado pela multiculturalidade: a Orquestra Clássica de Espinho convida o harpista colombiano Edmar Castañeda e a cantora Andrea Tierra para um programa ao ar livre, na Praça Dr. José Salvador (Câmara Municipal), sob a direcção do maestro Cesário Costa. Em paralelo decorre também o Festival Júnior, com concertos e actividades dedicadas aos mais novos.

Shakespeare em Alcobaça

Com a designação “Admirável Mundo Novo: Shakespeare 400 anos”, a edição de 2016 do Festival Cistermúsica procura evocar os “novos mundos” que portugueses e espanhóis “mostraram ao mundo”, uma frase que muito antes de servir de título à novela de Aldous Huxley é pronunciada por Miranda em A Tempestade de Shakespeare, conforme escreve Alexandre Delgado no texto de apresentação da programação. Além do já referido concerto de abertura, a paixão de Romeu e Julieta percorre outros concertos do festival, incluindo o encerramento (a 31 de Julho) pela Orquestra Euro-Atlântica (dirigida por Osvaldo Ferreira), que tocará a abertura Romeu e Julieta de Tchaikovski e a 2ª suite do bailado homónimo de Prokofiev, em conjunto com a Sinfonia do Novo Mundo de Dvorák. A cena do túmulo de Romeu e Julieta inspirou também o Adagio do Quarteto de Cordas nº1, de Beethoven, uma das obras (juntamente com composições de Mozart e Schulhoff) que fazem parte da estreia do prestigiado Henschell Quartett em Portugal (dia 3 de Julho). No campo da dança, será apresentado o bailado Play False, de António Cabrita e São Castro, baseado em personagens de Shakespeare. 

Um dos principais destaques será o regresso do prestigiado Orlando Consort, com repertório espanhol e inglês da época de Shakespeare e Cervantes, igualmente falecido há 400 anos. Salienta-se também o programa concebido pelo Ludovice Ensemble, dirigido por Miguel Jalôto, dedicado à música portuguesa, inglesa e italiana da Capela de D. Catarina de Bragança, a princesa portuguesa que foi rainha de Inglaterra e que contempla obras de D. João IV, Lourenço Rebelo, Filipe de Magalhães, Duarte Lobo, Claude Desgranges, Vicenzo Albrici, Giovanni Sebenico, Mathew Locke, Giovanni Draghi e Purcell.

A música portuguesa estará ainda representada pela polifonia de Estêvão Lopes-Morago, contemporâneo de Shakespeare, interpretada pelo Offcium Ensemble, e pela Suite para Cordas de Armando José Fernandes e pelo Concerto em Ré de Joly Braga Santos, no concerto da orquestra de cordas Alma Mater. A parceria entre o percussionista alcobacense Manuel Campos e a bailarina e coreógrafa norte americana Alia Kache, no âmbito da qual serão estreadas duas encomendas do festival aos compositores António Chagas Rosa e Dimitrius Andrikopoulos, desperta também a curiosidade, assim como a estreia em Portugal da soprano Elena Kelessidi, oriunda do Cazaquistão e filha de pais gregos, num recital com um belo programa dedicado e Glinka, Dargominski, Rubinstein e Tchaikovski. A Orquestra Estágio Gulbenkian, sob a direcção de Joana Carneiro; a apresentação da “Missa Gregoriana de São Pedro” pelo Coro Gregoriano de Lisboa; a participação de jovens intérpretes premiados (como o Duo Piaolin da Coreia do Sul, o duo de marimbas Face Two Phase e o pianista Vasco Dantas) completam o mosaico da programação.

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