Partido Democrata lança um "Occupy Congress" contra a venda de armas

Passaram horas sentados no chão da Câmara dos Representantes e prometeram ficar enquanto o Partido Republicano não votasse novas leis de reforço do controlo das armas.

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Congressista John Lewis lidera o protesto na Câmara de Representantes AFP PHOTO /CONGRESSWOMAN ELIZABETH ESTY

Encorajados pelo icónico congressista John Lewis, o único dos grandes líderes do movimento pelos direitos cívicos nos Estados Unidos ainda vivo, quase todos os 188 membros do Partido Democrata interromperam a sessão na Câmara dos Representantes e sentaram-se no chão durante várias horas, numa acção de desobediência civil para forçar a aprovação de leis de reforço do controlo na venda de armas.

O protesto começou de forma inesperada e tímida ainda na manhã de quarta-feira, mas foi crescendo ao longo do dia até que os trabalhos da Câmara dos Representantes foram interrompidos por falta de condições para cumprir o que estava agendado.

Já na madrugada desta quinta-feira, o speaker da câmara, o Republicano Paul Ryan, suspendeu todos os trabalhos até 5 de Julho, dois dias antes do que estava previsto no calendário oficial. Alguns membros do Partido Democrata ainda se mantiveram no chão da Câmara dos Representantes durante a manhã, mas tudo indica que vão acabar por sair ao fim de 24 horas, com a promessa de retomarem o protesto no dia 5 de Julho.

Um a um, mais de 170 dos 188 representantes do Partido Democrata na Câmara dos Representantes foram-se sentando no chão, muitos deles empunhando cartazes com os nomes de vítimas de tiroteios e a gritar "No bill, no break!" – estavam determinados a manter a sessão aberta durante as tradicionais férias que antecedem o feriado de 4 de Julho se o Partido Republicano não concordasse em votar duas leis muito semelhantes às que foram chumbadas no início da semana no Senado.

Ninguém no Partido Democrata acreditava que os seus adversários políticos iriam ceder às exigências – muito menos através de um protesto que violou as regras do funcionamento da câmara –, mas o verdadeiro objectivo acabou por ser cumprido: cada vez mais, o Partido Republicano é visto pela opinião pública como o principal obstáculo ao reforço do controlo da venda e posse de armas, o que pode ser particularmente desgastante em ano de eleições para a Casa Branca e para as duas câmaras do Congresso norte-americano.

Depois do tiroteio numa discoteca frequentada pela comunidade LGBT em Orlando, na Florida, que fez 49 mortos, o Partido Democrata lançou uma campanha para encostar o Partido Republicano à parede: como não aceita alterar as leis através do diálogo, numa altura em que está em maioria na Câmara dos Representantes e no Senado, passou a ficar refém de manobras políticas no Congresso para que o tema das armas se mantenha nas notícias pelo maior período de tempo possível.

É uma estratégia que parte do realismo verbalizado em Dezembro de 2012 pelo vice-presidente dos EUA, Joe Biden, dias depois de o atirador Adam Lanza ter executado 20 crianças com seis e sete anos e seis adultos na escola primária de Sandy Hook, no estado do Connecticut. "O povo americano tem uma memória muito curta", disse Biden numa reunião na Casa Branca com responsáveis de várias agências de segurança, indicando que os políticos têm de tomar decisões rapidamente, enquanto a atenção da sociedade civil não é desviada para qualquer outro assunto.

"Uma luta contínua"

Esta quarta-feira, em Washington D.C., numa repetição dos protestos que ajudou a liderar no início da década de 1960 em Nashville, no Tennessee, o congressista John Lewis regressou aos tempos da resistência pacífica e da desobediência civil. Mas, desta vez, os protestos não tiveram lugar em restaurantes ou outros estabelecimentos comerciais – o palco foi o chão da Câmara dos Representantes, no Capitólio, o coração do poder legislativo dos Estados Unidos.

"Hoje, percorremos uma distância. Fizemos progressos. Atravessámos uma ponte, mas temos outras para atravessar. É uma luta contínua. Não ficaremos felizes, não ficaremos satisfeitos, enquanto não fizermos algo com muito significado", disse John Lewis aos apoiantes que se foram juntando nas proximidades do Capitólio.

É a segunda vez desde o massacre em Orlando, no dia 12 de Junho, que o Partido Democrata força a suspensão dos debates agendados no Congresso para manter a atenção sobre a questão da venda e do uso das armas nos Estados Unidos – a primeira no Senado e a segunda na Câmara dos Representantes, com o sit-in de quarta e quinta-feira.

No dia 16, o senador do Partido Democrata Chris Murphy interrompeu a discussão sobre o orçamento do Departamento de Justiça e começou a falar horas a fio, com a ajuda de quase todos os seus colegas de bancada – Murphy conseguiu manter vivo esse procedimento, conhecido como filibuster, durante 14 horas e 50 minutos, e no final reclamou os louros por ter conseguido que o Partido Republicano aceitasse votar quatro propostas sobre o reforço do controlo da venda de armas. Essas propostas (duas do Partido Democrata e duas do Partido Republicano) acabariam por ser chumbadas no início desta semana, mas a estratégia manteve a discussão bem acesa na opinião pública.

Os dois partidos concordam que é preciso fazer alguma coisa para resolver os dois problemas que consideram ser mais urgentes na polémica questão sobre as armas: impedir a compra de armas por suspeitos de ligação ao terrorismo e reforçar as inspecções às pessoas que querem comprar armas.

Mas os caminhos para lá chegar são tão distintos que muito dificilmente alguma lei será aprovada nos próximos tempos, pelo menos até ao fim do ano.

Em Novembro há eleições para o Congresso, e a actual estratégia de protestos do Partido Democrata tem como objectivo convencer os eleitores indecisos a votarem nos seus representantes (e a cumprir a difícil tarefa de recuperar a maioria no Senado e na Câmara dos Representantes) por causa das suas posições sobre as armas – segundo as sondagens, uma larga maioria dos norte-americanos quer manter o direito à posse de armas, mas é também frontalmente contra os buracos que existem nas leis em vigor.

Se as propostas do Partido Democrata fossem aprovadas, nenhuma das pessoas que está numa das várias listas do FBI (suspeitas de ligação ao terrorismo, proibidas de viajar de avião ou simplesmente marcadas como possíveis alvos com interesse para investigações) poderia comprar armas sem autorização do governo; o Partido Republicano concorda que nenhum terrorista deve poder comprar armas, mas argumenta que muitas pessoas vão parar às listas sem qualquer justificação, o que lhes limita direitos constitucionais – para contornar esse problema, propõe que os tribunais sejam obrigados a provar em três dias que uma pessoa que está nessas listas tem a intenção de usar a arma comprada para cometer um crime, o que é visto pelo Partido Democrata como uma proposta irrealista e feita de propósito para manter a situação actual.

Quanto às inspecções que são feitas no momento da compra de armas, o Partido Democrata propõe que elas sejam estendidas a todas as transacções – actualmente são feitas em lojas autorizadas mas são facultativas em exposições temporárias, através da Internet ou entre conhecidos, amigos e familiares. O Partido Republicano propõe aumentar o orçamento das agências responsáveis pela verificação dos antecedentes do compradores de armas, mas não concorda com o seu alargamento a todas as transacções – um dos argumentos é que um cidadão pode querer vender uma colecção de armas para ganhar dinheiro e acabaria por ter de gastar grande parte dele num pedido de inspecção aos compradores.

Para além disso, o Partido Republicano considera que o Congresso devia estar a discutir medidas contra o terrorismo com base em ideologias extremistas e não por causa da compra e posse de armas, com o argumento de que a esmagadora maioria dos cidadãos compra armas para autodefesa e caça.

 

 

 

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