Guia para o referendo que pode mudar a Europa

Fotogaleria
Reuters
Fotogaleria
Reuters
Fotogaleria
Reuters

Os britânicos vão decidir hoje se querem – ou não – continuar a fazer parte da União Europeia. A saída terá consequências profundas. Se ganhar o "Brexit", o Reino Unido sai da União. Mas é mais do que isso. A saída é vista como um sinal de pré-anúncio do fim da própria União Europeia. O polaco Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, não faz a coisa por menos: o "Brexit" será o “início da destruição da civilização política ocidental”. Juncker fala em “auto-mutilação”.

Argumentos a favor de sair

Com o slogan-chapéu Take back control (Recupera o controlo), a campanha a favor da saída tem sublinhado que é preciso reconquistar a supremacia do Parlamento de Londres e reassumir o controlo das fronteiras para restringir a imigração. “Para muitas pessoas sempre foi questionável estarmos numa instituição na qual o peso do Reino Unido é de apenas 9%, muito dominada pelos burocratas, cujas leis têm precedência sobre as leis do Parlamento”, disse numa entrevista ao PÚBLICO o professor da London School of Economics e investigador do think-tank The UK in a Changing Europe Damian Chalmers. A campanha pela saída sublinha que são os imigrantes que estão a roubar trabalho aos britânicos e a dificultar o acesso à habitação e ao ensino; que a União Europeia é “um sorvedouro de milhões de libras”, “uma máquina de destruir empregos”, “irreformável e antidemocrática” e que obriga Londres a aceitar “uma liberdade de circulação que está a criar enormes problemas” no país, como se ouviu no último debate da campanha, que opôs Boris Johnson a Sadiq Khan, organizado pela BBC na Wembley Arena. Querem sair porque acreditam que, fora da UE, o Reino Unido será “mais forte, mais orgulhoso e mais independente”.

Argumentos a favor de ficar

O primeiro-ministro, David Cameron, que marcou o referendo, tem argumentos históricos (“Sempre que virámos as costas à Europa, mais cedo ou mais tarde, acabámos por nos arrepender. Tivemos sempre de regressar, e sempre com um custo muito maior”); argumentos culturais (“Para o bem ou para o mal, escrevemos a história da Europa, tal como a Europa nos ajudou a escrever a nossa”); argumentos de segurança (“Podemos estar assim tão seguros de que a paz está garantida para além de qualquer sombra de dúvida? É um risco que vale a pena correr?); argumentos económicos (“A economia será mais forte se ficarmos, mais fraca se sairmos. No curto prazo enfrentamos uma recessão, no médio uma década de incerteza, no longo prazo, uma vida com menos empregos”), e – finalmente – argumentos emocionais (“Quando decidirem ficar ou partir, pensem nas esperanças e nos sonhos dos vossos filhos e netos. A próxima geração terá de suportar as consequências durante muito mais tempo do que nós – para eles, trabalhar e viajar dependem do resultado deste referendo”).

O que nos dizem as sondagens

Os britânicos com mais de 55 anos querem sair, e os com menos de 40 querem ficar; os que só fizeram a escola primária querem sair, e os que têm cursos universitários querem ficar; os que vivem em Londres, uma cidade com muitos jovens, muitos licenciados e pessoas de todo o mundo, querem ficar. As sondagens têm mostrado também que só um quarto dos eleitores acredita que a saída terá um efeito negativo na economia britânica, apesar de a esmagadora maioria dos economistas dizer que a saída terá um impacto “mau” ou “muito mau” na economia. As sondagens indicam ainda uma divisão dentro dos partidos: 46% dos conservadores do Tory apoiam a continuação na UE (contra 43%), e 63% dos Labour querem “ficar” (contra 28% que querem “sair”).

Os patrões e os sindicatos estão em lados opostos?

Não. A maioria dos patrões e dos sindicatos – tal como todos os grandes bancos internacionais e centrais, e organizações como o FMI –, defendem que o Reino Unido continue na UE. Frances O’Grady, secretária-geral do TUC (Trades Union Congress), que representa 51 sindicatos e seis milhões de trabalhadores, disse há dias que a burocracia e as regras que tantos criticam quando falam da UE “são na verdade leis e directivas que protegem os direitos dos trabalhadores”. O site oficial do TUC “abre” a homepage a toda a largura com a frase: “O 'Brexit' põe em risco os nossos direitos no trabalho”. No site há dezenas de documentos, ensaios e vídeos onde são expostos, área a área, as mil e uma razões pelas quais os trabalhadores britânicos estão “mais seguros graças às leis europeias” e porque é que um futuro governo num futuro Reino Unido fora da UE, sem o “colete” e o enquadramento europeu, terá liberdade para piorar de forma drástica as regras laborais de hoje. Tal como o governo de Cameron, a união de sindicatos sublinha que metade do que o Reino Unido exporta é vendido a países da UE, pelo que, sem esses laços comerciais facilitados, “milhões de empregos estão em risco” (lembram que a BMW já disse que reduzirá a produção no país se o "Brexit" ganhar). Em defesa da União Europeia, o TUC dá exemplos bem tangíveis de conquistas laborais conseguidas por causa da legislação europeia: férias pagas (seis milhões de britânicos passaram a ganhar mais dinheiro por ano e dois milhões tiveram férias pagas pela primeira vez na vida), maior segurança no trabalho, pagamento dos dias em que as mães grávidas vão ao médico, protecção contra a discriminação no trabalho, entre muitos outros.

11%

A horas do referendo, esta era a percentagem de indecisos avançada pelo barómetro da Economist, publicado na quarta-feira. Há uma semana, havia 30% de indecisos e a previsão era que metade só decidisse no exacto momento do voto. Especialistas sublinham que é tradicionalmente mais difícil prever resultados de referendos do que de eleições legislativas, porque a clássica grelha de referência – que inclui a lealdade a um partido ou a um líder – perde relevância. A nível europeu, sabe-se também que é mais alta a percentagem de eleitores que muda a sua intenção de voto no momento de decidir. Em sondagens dos últimos dias, havia mais indecisos que se diziam “inclinados” a votar Remain e menos a votar Leave.

Um país partido ao meio

Há uma semana, uma sondagem dava 44% dos britânicos a votar no Remain e 42% no Leave. Na véspera do referendo, outra sondagem revelava uma diferença igual de dois pontos percentuais mas no sentido inverso: 43% a favor do Leave e 41% a favor do Remain.

Se o Brexit ganhar, quando é que o Reino Unido sai da UE?

Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, falou num prazo de sete anos, apesar de o Tratado de Lisboa, no seu artigo 50, estipular um prazo de dois. Mesmo a campanha pelo “Brexit” diz que a saída não acontecerá antes de 2020. Têm-se discutido “special arrangments” e “acordos transitórios” de modo a evitar que uma saída seja feita sem negociações com os 27 Estados-membros da União. Especialistas prevêem no entanto que a livre circulação de pessoas termine antes de qualquer destas démarches.

E tem mesmo de sair?

Esta quarta-feira, Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, repetiu: “Out is out.” Como quem diz: se decidirem sair, saem mesmo. Não é a brincar. O resultado do referendo será “decisivo” e “não negociável”, frisou. O Presidente francês Francois Hollande seguiu o tom e usou uma palavra: “Irreversível.”

A psicologia importa

O estudo The Impact of Brexit on Consumer Behaviour, feito pela London School of Economics, diz que os britânicos estão “muito preocupados” com a ideia de “escolherem mal”, de tomarem a “opção errada”, e que por isso é provável que mudem de posição no último minuto. Especialistas sublinham que, em momentos decisivos como um referendo desta natureza, os eleitores começam por pensar no impacto directo na sua vida, mas acabam por reflectir acima de tudo no impacto na vida de todos, no que “é melhor para o país”. Foi isso que aconteceu com o referendo na Escócia e no Quebeque. Sentem o peso de uma espécie de “responsabilidade colectiva”. O voto “late swing” vai ter peso neste referendo.

O efeito Jo Cox

A jovem deputada trabalhista foi brutalmente assassinada por motivação política. A vítima era uma feroz defensora do Remain; o assassino tem há anos uma admiração intensa pela propaganda neo-nazi. Os indecisos vão pensar em Jo Cox antes de votar? Todos os eleitores britânicos sabem que o "Brexit", se ganhar, deixará o assassino de Jo Cox feliz.

A pior ideia da campanha

Foi o cartaz do UKIP, o partido de Nigel Farage, que usa uma fotografia na qual se vê um corredor de refugiados a chegar a pé à Europa. O cartaz foi rapidamente comparado a algumas das mais primárias ideias da propaganda nazi.

Um de muitos mitos

O Reino Unido contribui para o orçamento da União Europeia. Sair significa um ganho financeiro. Pouparia 0,5% do seu PIB. Mas, como em muitas outras contas a que este debate obriga, não é assim tão simples. A Noruega e a Suíça, por exemplo, têm de contribuir financeiramente para a União Europeia para terem acesso ao mercado europeu.

O que acontece aos portugueses no Reino Unido?

Terão provavelmente de pedir vistos de residência ou a nacionalidade britânica. Há centenas de milhares de portugueses no país.

Onde fica a Agência Bancária Europeia?

Quando falamos das instituições europeias não pensamos em que cidade operam. A morada da Agência Bancária Europeia, uma autoridade independente da UE a quem cabe “assegurar um nível eficaz e coerente de regulação e supervisão prudenciais de todo o sector bancário europeu” e defender a “estabilidade financeira na UE e garantir a integridade, a eficiência e o bom funcionamento do sector bancário”, como se lê no site oficial, é esta: Canary Wharf, Londres.

Dois factos maus garantidos

1. Se o "Brexit" ganhar, haverá turbulência nos mercados internacionais. 2. Donald Trump, Vladimir Putin, Marine Le Pen e todos os seus amigos xenófobos, populistas e nacionalistas vão abrir uma garrafa de champanhe.

Um facto bom garantido

De Sagres a Nuorgam, o ponto (na Finlândia) mais a Norte da União Europeia, os europeus sabem hoje mais sobre como funciona a União Europeia do que sabiam antes de este debate começar.

Sugerir correcção
Comentar