Julho decisivo para a candidatura de Guterres

Foi elogiado pelo desempenho na audição de Abril em Nova Iorque. Uma pequena equipa de “prata da casa”, que duas vezes por semana habitualmente reúne no gabinete de Margarida Marques, é o staff de uma aposta de consenso nacional.

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“É o melhor político da minha geração”, disse Marcelo Rebelo de Sousa do seu amigo António Guterres MARCO DUARTE

O próximo mês é decisivo para a candidatura de António Guterres, 66 anos, a secretário-geral da ONU. No dia 21 de Julho, os 15 membros do Conselho de Segurança, em reunião à porta fechada, iniciam o processo que os levará a recomendar à Assembleia Geral das Nações Unidas um candidato, tendo sido prática até agora indicar apenas um.

Esta decisão requer, pelo menos, nove votos a favor, incluindo os dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança – China, França, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Rússia. A ficha de voto contempla três formas de classificação das candidaturas, ordenadas com designações peculiares: encorajar, não encorajar, sem opinião. Esta última corresponde, na prática, a voto negativo.

Reza a história que, até hoje e nesta fase, nunca houve mais de 12 votos encorajadores embora o sentido da votação possa ser alterado. Assim aconteceu com o ganês Kofi Annam, secretário-geral da ONU entre 1997 e 2007, que começou por não ter o voto francês, membro do Conselho Permanente, embora Paris tenha alterado a sua posição.

Uma semana depois da primeira votação, a 28 de Julho, numa segunda ronda, haverá outra deliberação. Começa, então, uma nova fase, com as candidaturas pior avaliadas a serem aconselhadas a retirar-se da disputa. Finalmente, só depois das férias de Verão, em Setembro, a questão volta a estar em cima da mesa do Conselho de Segurança. E o processo de eleição do futuro secretário-geral das Nações Unidas deverá ser dado por concluído em princípios de Outubro, com a indicação do candidato para votação da Assembleia Geral dos 193 países membros da organização. O novo secretário-geral assumirá funções a 1 de Janeiro de 2017.

Deste modo, Julho é o mês decisivo. “Depois da primeira volta de 21 de Julho, é necessário redobrar os esforços diplomáticos”, sintetiza, ao PÚBLICO, um diplomata. O primeiro tabuleiro deste trabalho é o Conselho de Segurança onde começam as linhas de influência protagonizadas pelos seus 15 membros. Mas desde Janeiro a candidatura de António Guterres, que entretanto reuniu o consenso nacional, é trabalhada no Palácio das Necessidades.

“O melhor valor é ele próprio, mas não é só a qualidade do candidato que está em jogo, há um equilíbrio político a nível internacional”, pondera um embaixador. Uma pequena equipa de dez pessoas reúne-se às terças e sextas-feiras, quando Guterres está em Lisboa. Este “staff” é liderado pelo embaixador Freitas Ferraz, responsável do Instituto Diplomático, envolvendo a diplomata Isabel Pestana, da Presidência da República, elementos do gabinete do primeiro-ministro António Costa e altos funcionários. A maioria dos encontros tem decorrido no gabinete de Margarida Marques, secretária de Estado dos Assuntos Europeus.

Outro pólo de trabalho decorre em Nova Iorque, na missão diplomática portuguesa junto das Nações Unidas chefiada pelo embaixador Mendonça e Moura. Foram estes os primeiros diplomatas portugueses a constatarem o bom desempenho de António Guterres na audição prévia de 12 de Abril. Nos meios diplomáticos da ONU, o antigo primeiro-ministro português é considerado um dos candidatos mais fortes e a sua intervenção recebeu elogios de influentes media. A BBC, a agência Reuters e o jornal britânico Guardian destacaram a sua performance.

As entrevistas concedidas à imprensa internacional, outra frente de trabalho, têm contemplado várias geografias. Da agência oficial espanhola EFE, de grande implantação na América Latina, ao canal norte-americano CBS e ao New York Times. Também em público, o Presidente da República e o primeiro-ministro têm-se multiplicado em declarações e iniciativas.

 “É o melhor político da minha geração”, foi a síntese de Marcelo Rebelo de Sousa nos jardins do Palácio de Belém ao secretário-geral da ONU, na visita de 12 de Maio de Ban Ki-moon a Lisboa. António Costa, por exemplo, fez-se acompanhar por Guterres na cimeira dos refugiados da Turquia, a 22 de Maio, tendo mantido contactos com a Ucrânia e a Nova Zelândia, dois dos 15 países do Conselho de Segurança. Pedro Passos Coelho afirmou apoiar a candidatura e promoveu um encontro do candidato com dirigentes do Partido Popular Europeu. E, há uma semana, Durão Barroso reiterou o seu apoio. Tal como o Bloco de Esquerda que, a 24 de Abril, no Porto, convidou o candidato ao encontro da Esquerda Europeia.

“O cargo de secretário-geral da ONU é um dos mais difíceis, mais almejados. Há poderosos concorrentes em liça e um lobby forte para ser uma mulher do leste europeu”, reconhece um membro da equipa que trabalha na candidatura de Guterres. Um grupo de “prata da casa” como se autodefine. “Temos de olhar em termos geopolíticos para ver como se faz chegar a mensagem que [Guterres] é a melhor solução”, conclui.

A trajectória política e internacional de António Guterres é apresentada por Portugal como um invejável cartão-de-visita. Como primeiro-ministro esteve, com o Presidente Jorge Sampaio, na fundação da CPLP [Comunidade de Países de Língua Portuguesa] a 17 de Julho de 1996. Foi sob a presidência europeia de Portugal com Guterres no Governo que se avançou com as cimeiras da União Europeia (UE) com África. Em 31 de Maio de 2000, também com António Guterres em São Bento, o então Presidente Bill Clinton esteve em Lisboa na cimeira da UE/EUA. E foi durante a presidência portuguesa da União Europeia que decorreu a primeira cimeira UE/Índia.

Os dez anos como Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, quando a crise das migrações é questão fulcral, foram decisivos para a divulgação das suas posições e reconhecimento público internacional. Na agenda da sua candidatura a secretário-geral da ONU terá, ainda, de aprofundar a forma como pretende articular as diversas instâncias da organização. E aguardar que, finalmente, seja fixada a lista de candidatos. “Até à eleição pode aparecer qualquer outra candidatura”, reconhece um diplomata.

Onze rivais, seis mulheres e cinco homens

Igor Luksic, 40 anos, ex-primeiro-ministro de Montenegro
Irina Bokova, 63, director-geral da Unesco
Danilo Turk, 64, ex-Presidente da Eslovénia
Vesna Ousic, 62, antiga vice-Presidente e ministra dos Negócios Estrangeiros da Croácia
Natália Gherman, 47, ex-ministra dos Negócios Estrangeiros da Moldávia
Srgjam Kirim, 67, ex-presidente da Assembleia Geral da ONU, Macedónia
Helen Clark, 66, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia
Vuk Jeremic, 40, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Sérvia
Susana Malcorra, 61, ministra dos Negócios Estrangeiros da Argentina
Miroslav Lajcak, 53, ministro dos Negócios Estrangeiros da Eslováquia
Kristalina Georgieva, 62, comissária europeia, da Bulgária

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