O homem mais poderoso do Partido Republicano lembra que os delegados podem correr com Trump

Paul Ryan, líder da Câmara dos Representantes, diz que continua a apoiar o magnata, mas a sua aversão ao candidato é cada vez mais notória. Desta vez, disse que os delegados devem votar em consciência na convenção do partido.

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Trump em campanha em Phoenix, no Arizona Nancy Wiechec/Reuters
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Paul Ryan foi candidato a vice-presidente em 2012 Win McNamee/AFP

A desesperada estratégia no interior do Partido Republicano para travar a nomeação de Donald Trump pode até estar destinada ao fracasso desde o início, mas alguns dos mais altos responsáveis do partido já não conseguem disfarçar que gostariam de dormir descansados sem terem o magnata do imobiliário a causar-lhes pesadelos.

Um dos que tem passado mais noites em branco por causa da mais do que provável possibilidade de Trump vir a ser confirmado como representante oficial do Partido Republicano é Paul Ryan, nada mais, nada menos do que o líder da Câmara dos Representantes e, por inerência, n.º 2 na lista de sucessão do Presidente dos Estados Unidos, a seguir ao vice-presidente do país.

Na qualidade de líder da Câmara dos Representantes (a câmara baixa do Congresso norte-americano; a câmara alta é o Senado, cujo líder é, por inerência, o vice-presidente dos EUA, o Democrata Joe Biden), Paul Ryan é quem ocupa o mais alto cargo entre todos os membros do Partido Republicano no actual panorama político dos Estados Unidos.

Por isso, a sua evidente falta de confiança no homem em quem os eleitores do seu partido mais votaram nas eleições primárias é sintomática do mal-estar nas mais altas estruturas (aquilo a que Donald Trump e os seus apoiantes costumam chamar o establishment).

Ryan nasceu politicamente com o Tea Party, e foi com o apoio desse movimento mais à direita no Partido Republicano que chegou a ser candidato a vice-presidente ao lado do mais moderado Mitt Romney, em 2012 (Romney é actualmente um dos maiores críticos de Trump). Mas nos últimos anos foi-se afastando do Tea Party e agora é visto como mais um político do tal establishment – chegou a líder da Câmara dos Representantes em finais de Outubro do ano passado e, aos 46 anos, tem uma indisfarçável ambição de concorrer à Casa Branca nas eleições de 2020.

No início de Maio, já depois de se ter tornado evidente que Donald Trump iria alcançar o número de delegados suficiente para ser nomeado candidato oficial na convenção do partido, Paul Ryan causou sensação ao anunciar publicamente que ainda não estava pronto para declarar o seu apoio ao magnata. Esse apoio acabou por chegar, quase um mês depois, ao fim de vários encontros entre as duas figuras e membros das respectivas equipas.

Mas tornou-se evidente que Ryan nunca se sentiu confortável no papel de apoiante de Trump.

No dia 8 de Junho, Paul Ryan disse que Donald Trump tinha proferido declarações racistas, depois de o magnata ter declarado que o juiz Gonzalo Curiel, nascido no estado norte-americano do Indiana, tinha um conflito de interesses e não podia julgar um dos processos interpostos por pessoas que dizem ter sido burladas por uma instituição conhecida como "Universidade Trump" – o motivo desse conflito de interesses, segundo Trump, é que os pais do juiz nasceram no México e o candidato prometeu construir um muro na fronteira com esse país.

O pai de Gonzalo Curiel, Salvador, chegou aos Estados Unidos na década de 1920 e tornou-se cidadão norte-americano. Em 1946, Salvador casou-se no México com Francisca, que se se tornou também cidadã dos Estados Unidos – na mesma década que a mãe de Donald Trump, Mary Anne MacLeod, que nasceu na EscóciaGonzalo Curiel viria a nascer em 1953 em East Chicago, no Indiana.

Ainda assim, Ryan disse que iria manter o seu apoio ao candidato escolhido pelos eleitores do Partido Republicano, e apelou a Donald Trump que começasse a mostrar uma campanha mais inclusiva, para não alienar o voto de muitas fatias do eleitorado nas eleições presidenciais de Novembro.

Mas o candidato não só manteve o rumo que lhe deu a vitória nas primárias como carregou no acelerador na última semana.

Depois do massacre numa discoteca frequentada pela comunidade LGBT em Orlando, no estado da Califórnia, onde o atirador Omar Mateen matou 49 pessoas, Donald Trump escreveu na rede social Twitter uma mensagem que foi muito criticada no interior do Partido Republicano, considerada insensível e pouco mais do que auto-elogiosa: "Agradeço as felicitações por estar certo em relação ao terrorismo radical islâmico, mas não quero parabéns. Quero firmeza e vigilância. Temos de ser espertos!"

Num discurso posterior, o candidato reforçou a sua proposta de impedir a entrada nos Estados Unidos de todos os muçulmanos, de forma temporária, desta vez salientando que uma medida desse género incluiria a proibição da entrada a imigrantes de todos os países "com ligações ao terror islâmico".

Estas declarações motivaram novas críticas de Paul Ryan: "Há uma diferença muito importante que todos os americanos não devem esquecer. Isto é uma guerra contra o islão radical – não é uma guerra contra o islão. Os muçulmanos são nossos parceiros. Estão entre os nossos melhores aliados, entre os nossos melhores recursos neste combate contra o terrorismo radical islâmico."

No domingo, numa entrevista no programa da NBC "Meet the Press", Paul Ryan deu um passo em frente na sua oposição a Donald Trump disfarçada de apoio oficial – disse que os delegados do Partido Republicano devem votar na convenção de acordo com a sua consciência. Na prática, o que o líder da Câmara dos Representantes disse foi que a comissão que tem como responsabilidade estabelecer as regras da convenção pode alterar essas regras e autorizar os delegados a votarem em quem entenderem.

"São eles que escrevem as regras, são eles que tomam as decisões. O que eu quero garantir é que tudo seja feito de forma clara, honesta e de acordo com as regras", disse Ryan, que presidirá (também por inerência) à convenção nacional do Partido Republicano.

"Agora que ele conquistou a pluralidade dos delegados, olho para o meu papel como uma posição cerimonial. Mas a última coisa que vou fazer é intervir e dizer aos delegados o que eles devem fazer", acrescentou Paul Ryan.

Na mesma entrevista, o responsável também não criticou os congressistas e delegados que estão a tentar influenciar a comissão a alterar as regras para que todos os delegados fiquem livres da disciplina de voto. "A última coisa que faria é dizer a qualquer pessoa que faça algo contrário à sua consciência. Percebo que esta situação é muito estranha. Ele é um nomeado muito peculiar", disse Ryan, quando questionado sobre o que o leva a manter o apoio a Donald Trump.

Missão impossível?

A tarefa de impedir que Trump seja nomeado na convenção é muito complicada. Primeiro, os defensores dessa estratégia têm de convencer a maioria dos 112 membros da comissão de regras (que se reúnem poucos dias antes da convenção) a autorizar que os delegados votem como entenderem; depois, é preciso que a maioria dos 2400 delegados que vão estar na convenção aprove essa proposta.

E, em resposta às constantes bicadas de Paul Ryan e outros responsáveis do Partido Republicano, Donald Trump já disse que gostava de contar com o apoio deles, mas acredita que pode "ganhar com o apoio deles ou sem o apoio deles, de uma forma ou de outra".

"Eu ganhei as primárias sem o apoio deles", lembrou o candidato, referindo-se ao facto de ter derrotado 16 outros candidatos do Partido Republicano, alguns deles apoiados pela ala mais tradicional, como Jeb Bush ou Marco Rubio.

Os esforços para tirar o tapete a Donald Trump estão a ser liderados por muitos apoiantes de Ted Cruz, mas o senador do Texas já disse que não está disposto a aceitar a nomeação nessas condições.

As conversas sobre a possibilidade de Trump vir a ser travado na convenção são alimentadas pela complexidade das regras. Por um lado, o Partido Republicano decidiu desde o início das primárias que os delegados conquistados por cada candidato são obrigados a ir à convenção apoiá-lo numa primeira ronda de votações (como Trump conquistou 1447 e só precisava de 1237, segundo essa regra tem a nomeação garantida); por outro lado, a comissão de regras e os próprios delegados podem alterar as regras antes da convenção, pelo que, em teoria, os delegados que estão agora obrigados a votar em Trump podem vir a ficar livres dessa obrigatoriedade.

Para complicar ainda mais a situação, há especialistas que defendem que nenhum delegado é obrigado a votar como o Partido Republicano determinou – segundo esta tese, a comissão de regras teria de aprovar antes da convenção uma cláusula que amarrasse os delegados a uma disciplina de voto, já que existem outras cláusulas fixas que protegem a votação em consciência.

Seja como for, o facto de Donald Trump ter vencido a maioria das primárias, de ter ultrapassado em muito os 50% mais um de delegados necessários para ser nomeado e de ter recolhido mais de 13 milhões de votos (contra os sete milhões de Ted Cruz) torna a estratégia quase impossível.

Como disse à revista Time um dos delegados, Donald Trump "pode mesmo ter de matar alguém na Quinta Avenida em Nova Iorque" para ser impedido de concorrer à Casa Branca pelo Partido Republicano. E, mesmo assim, o magnata acredita que poderia ganhar, como declarou em Janeiro: "As sondagens dizem que eu tenho os apoiantes mais leais. Podia chegar à Quinta Avenida [em Nova Iorque], dar um tiro a alguém e não perdia votos. É incrível."

 

 

 

 

 

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