Cristianismo Ronaldo em crise de fé

Fernando Santos procedeu a uma alteração na estrutura, trocando o 4x4x2 com que defrontou a Islândia, por uma abordagem em 4x3x3. Entraram William e Quaresma para os lugares de Danilo e João Mário. O médio defensivo sportinguista foi participativo na construção, ligou defesa e meio-campo e adiantou-se regularmente, sendo referência de posicionamento do bloco alto português. Neste enquadramento contou com o apoio próximo de André Gomes, o que permitiu a subida de Moutinho. Estava assim definida uma segunda e terceira-linha de meio campo, a possibilitar soluções de passe mais credíveis e agressivas.

Com o miolo a carburar, a bola chegava mais vezes aos avançados, muito dinâmicos, intercalavam posicionamentos recorrentemente. Quaresma, sempre aberto (esquerda/direita), centrou inúmeras vezes com qualidade, conseguindo servir Nani e Ronaldo (em constantes trocas posicionais para velozes diagonais interiores) para finalizações perigosas. O sector defensivo português, aproveitando a postura expectante dos austríacos, teve tranquilidade para proceder a uma saída de bola curta, com os laterais (Vieirinha e Raphael Guerreiro) a pedirem bola no pé para subsequente projecção em transporte, combinando bem com o médio interior ou extremo do seu lado.

A Áustria entrou num 4x2x3x1 contido, com uma dupla de trincos meramente preocupados em se juntarem à dupla insegura de centrais, Hinteregger e Prödl (que mesmo sendo altos e robustos, perdiam sempre no jogo aéreo, mesmo para o “pequenote” Nani). Os laterais (Klein e Fuchs) comportaram-se de forma muito inibida, a missão era claramente de marcação aos criativos que tinham pela frente. A preguiça no momento defensivo dos avançados, Arnautovic e Sabitzer, não deixou qualquer tipo de margem para participação ofensiva.

Alaba foi o organizador ofensivo, mas, com os seus colegas de sector muito afastados e os extremos “desligados” do jogo, não teve apoios próximos para conseguir receber, sendo facilmente controlado pelo meio-campo nacional. A mobilidade de Harnik (habitualmente sobre uma ala) procurando as costas ou o espaço entre-linhas à frente dos centrais, foi o que mais desestabilizou a organização posicional defensiva lusa.

Fernando Santos preparou bem o encontro, escalonando um sistema em que os jogadores estavam bem distribuídos, nos seus posicionamentos naturais. Colectivamente espelharam competência; faltou definir as jogadas (faltou Ronaldo).

Uma vez mais, como muitas vezes vem acontecendo ao longo destas 128 partidas com que bateu o recorde de internacionalizações, Ronaldo não foi crucial, não fez a equipa ganhar e esteve distante das performances que apresenta no clube. Desde o Euro 2004, quando se estreou em grandes competições nunca foi figura maior da selecção. Primeiro na sombra de Figo, passou ao lado do Euro 2008 e dos Mundiais de 2010 e 2014. Apenas em 2012 fez um excepcional torneio, mas foi Moutinho quem teve maior influência no brilhante desempenho colectivo. É tempo de colocar em causa o carácter “divino” de CR7 e desvanecer a idolatria em seu torno. Este Cristianismo Ronaldo (ou neo messianismo português) só pode ser explicado por questões que extrapolam o jogo (extravasando para o campo do negócio/espectáculo). Ronaldo é dos dois melhores futebolistas do mundo, mas é apenas mais um. Não o vejamos como o D. Sebastião contemporâneo. Analista de futebol

     

 

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