Aulas de surf gratuitas melhoram auto-estima de crianças e jovens da Biquinha

Crianças e jovens do bairro da Biquinha, em Matosinhos, têm de aulas de surf gratuitas. Se fossem pagas, nunca poderiam vivenciar esta experiência. Só lhes traz vantagens: melhoraram a auto-estima e sentem-se mais integrados na sociedade. Só querem repetir.

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Paulo Pimenta
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O à-vontade e o jeito todo despachado com que Mariana Carvalho, 13 anos, Diogo Faria, 14, e Tiago Ferreira, 21, seguram a prancha debaixo do braço e correm areia molhada fora até apanharem a primeira onda não é de surfista de primeira viagem. “Há quatro meses que a Onda Pura Escola de Surf nos dá, semanalmente, aulas gratuitas. Se tivéssemos de pagar, nunca na vida experimentaríamos”, diz Diogo, um dos participantes do projecto Biquinha em Acção, em Matosinhos, integrado neste programa da escola de surf.

Quando os três amigos chegam ao areal, já oito colegas do bairro social, entre os 8 e os 16 anos, estão a ter um baptismo de surf. Mais perto do mar, ouvem-se gargalhadas e gritos entusiastas. “Viu esta onda stôr? É muito fixe”, diz Miguel Gomes, 12 anos, estreante nestas andanças. “Já consigo pôr-me em pé na prancha!” Logo depois é apanhado por outra que o deita abaixo. “Parecia mais fácil quando estávamos a aprender as técnicas na areia. Dentro de água é bem mais difícil: escorrego na prancha”, acrescenta Marta Peixoto, 13, entre risos.

“O importante é que todos experimentaram e se divertiram, ainda que a maior preocupação deles seja saber se podem repetir e se têm de pagar”, conta o instrutor de surf, Ricardo Alves, que lhes ensinou os passos básicos para se porem em cima da prancha, assim como as regras de segurança.

Logo à chegada, todos foram tomados por um nervosismo miudinho. Diogo, que já anda por lá há quatro meses, sabe bem o que os colegas estreantes sentiram. Aquele friozinho na barriga na primeira vez que vão apanhar ondas. Ultrapassou tudo isso e já está “‘pro’ na modalidade: no início, era um desastre, não me equilibrava de pé na prancha e caía, levantava e voltava a cair”. Pensou muitas vezes em desistir. “Mas aprendi que nunca se deve baixar os braços perante uma dificuldade”. Foi-se empenhando cada vez mais. Surpreendeu todos e até a ele próprio: “Foi o melhor que fiz, porque os monitores dizem que fui o que mais evoluiu de todos”.

O director da Onda Pura Escola de Surf, Marcelo Martins, conta que, passados estes meses, todos os cinco “já dominam as técnicas de base: o take off, que é o colocar-se em pé em cima da prancha; o drop, descer a onda antes de ela quebrar; a remada na prancha, que é passar a rebentação e apanhar ondas; e as viragens”.

Tiago Ferreira é o mais velho deles todos. Boné na cabeça e ar descontraído, lá vai dizendo que consegue manter-se “em pé em cima da prancha e aguentar a onda até ao fim”. “Isto do surf foi uma experiência e tanto, uma sensação única, sobretudo quando estávamos integrados noutros grupos, como com os estrangeiros que procuravam a escola”, diz.

Mais auto-confiança

Todos eles ganharam mais auto-confiança e determinação, alguns dos objectivos desta modalidade e também do Biquinha em Acção, projecto apoiado pela Câmara Municipal de Matosinhos e que abrange 60 crianças e jovens, entre os seis e os 18 anos – o Tiago é uma excepção. 

“A primeira coisa que dizem é ‘não sei’, ‘não sou capaz’, mesmo sem terem experimentado”, conta a monitora do projecto, Marisa Morais, que trabalha com eles o desenvolvimento de competências pessoais, sociais e profissionais através do apoio escolar e desenvolvimento de diversas actividades. “Queremos que ultrapassem esta barreira, que conheçam e superem os seus limites”. E quando a Onda Pura lhe propôs um programa semanal para miúdos carenciados, aceitou logo, para continuar a trabalhar a auto-estima destes jovens, para lutar contra o receio de falhar e se sentirem mais integrados na sociedade.

Durante as aulas de surf, também aprenderam a valorizar o companheirismo e o espírito de equipa e de inter-ajuda. “Posso não conseguir, mas o meu colega do lado ajuda-me. Escolhemos a onda para surfar em conjunto”, explica Mariana. Ela que, “no início, nem sabia fazer nada”, mas que agora já lhe apanhou o jeito. “Sei ir nas ondas, pôr-me em pé na prancha e virar. É muito divertido, mas algumas vezes não vinha, porque tinha de estudar para os testes.”

Todos sabem que só participam se tiverem bom comportamento na escola, no Biquinha em Acção e na comunidade, além de bom empenho e desempenho no projecto em geral. “É um prémio. Também não podem faltar à escola, ter faltas disciplinares, e têm de fazer os trabalhos de casa todos”, diz a monitora Marisa. Foram estes os critérios que usou para, em Fevereiro último, seleccionar os cinco alunos para a iniciativa da Onda Pura. Mariana está um pouco nervosa por isso mesmo. “Posso não ser escolhida para o ano por ter reprovado”. Mas Marisa descansa-a logo, dizendo que não os selecciona em função das notas. “O mérito escolar vem por arrasto”. Disso sabem todos bem.

“Vim experimentar, porque me portei bem”, diz sorridente Miguel Gomes, que surfa, pela primeira vez, juntamente com mais sete amigos que não estão integrados no programa da Onda Pura. Talvez sejam chamados em Setembro, quando o projecto reiniciar e abranger mais elementos. Por entanto, vão brincando, sorrrindo e acenando da água para Mariana, Diogo e Tiago, que chegam à praia e saltam logo o muro da marginal para a areia. Os outros dois elementos do programa não vieram desta vez. “Estão todos eufóricos e integrados no ambiente da escola. Nem é preciso dizer nada. Já sabem o que e como vestir”, conta Marcelo Martins, enquanto os miúdos seguem em correria em direcção aos balneários.

“Vamos! Não há tempo a perder”, diz Mariana. Em três tempos, enfiam-se num fato de surf preto, vestem por cima uma t-shirt vermelha e saem disparados outra vez a correr com a prancha debaixo do braço. Mas ainda não se podem juntar aos outros no mar. “Primeiro temos de aquecer o corpo”, diz Mariana, no areal, braços no ar, pernas esticadas e nada incomodada com as muitas pingas da chuva que lhe molham cabelo e rosto. “Ena! Até dá mais pica estar no mar com este tempo”, acrescenta Diogo.

Chova ou esteja sol, todos querem repetir a experiência. Uma coisa é certa: em Setembro há mais e para mais participantes da Biquinha em Acção. Uma notícia recebida com euforia.

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