Quando o Largo do Rato é uma pista de obstáculos e um campo minado

Há dez anos, Portugal comprometeu-se a facilitar os movimentos dos cidadãos de mobilidade reduzida. No entanto, a seis meses do fim do prazo, as mudanças registadas são praticamente nulas ou não foram cumpridas com eficiência.

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O tamanho dos passeios impossibilita a passagem de muitas cadeiras de rodas em segurança Bruno Carvalho/DR
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Os desníveis das estruturas são umas constante e dificultam o acesso Bruno Carvalho/DR
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Para além dos semáforos, o espaço à volta das raízes das árvores coloca buracos no percurso Bruno Carvalho/DR
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No Largo do Rato, a alternativa é utilizar a via de trânsito Bruno Carvalho/DR
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Passeios estreitos, escadas e pisos irregulares são alguns dos problemas apontados Bruno Carvalho/DR
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O grupo reuniu-se para o lançamento da campanha "Ir, vir e viver" Bruno Carvalho/DR

Sair de casa para beber um café, um acto rotineiro que tem tanto de simples quanto de português, revela-se para muitos uma tarefa impossível em Lisboa. A denúncia é feita por quem tem a sua mobilidade condicionada ou reduzida e que se vê incapaz de conseguir fazer coisas tão simples como atravessar a estrada ou deslocar-se no passeio. Por todo o lado faltam passagens de peões disniveladas e sobrampasseios demasiado estreitos, escadas íngremes, calçadas escorregadias e esburacadas e já nem os semáforas avisam quando mudam de cor. Seja por deficiência ou por uma condição extraordinária e temporária – como uma perna partida ou empurrar um carrinho de bebé -, as deslocações estão fortemente condicionadas, mesmo em zonas assinaladas como espaços com condições de acessibilidade.

O teste aconteceu nesta quarta-feira no Largo do Rato, em Lisboa, cuja localização o torna num dos acessos possíveis à Assembleia da República e uma das razões pela qual a Confederação Nacional de Organismos de Deficientes (CNOD) e a Associação Portuguesa de Deficientes (APD) o escolheu como percurso de sensibilização e lançamento da campanha “Ir, Vir e Viver – Acessibilidade para todos”.

O ponto de partida dá-se na entrada do metro do Rato, na Rua das Amoreiras, uma das estações na rede do metropolitano assinalada como acessível a pessoas com mobilidade reduzida. Mas aqui começam as primeiras dificuldades. Andreia Egas, uma das organizadoras do passeio de sensibilização, nota: “Não existe nenhuma sinalização que indique para que lado fica o elevador e a localização do mapa de redes está demasiado alto”. Além disso, não há qualquer indicação alternativa para os cidadãos invisuais. O que se repete nos semáforos, que deixaram de ter avisos sonoros. “Muitos destes obstáculos não requerem mundos e fundos para serem alterados”, garante. “O rebaixamento dos passeios, os sinais sonoros, tudo isto são modificações simples, uma vez que as estruturas já lá estão”, justifica Andreia Egas.

Com alguma ajuda, o grupo de cerca de 15 pessoas que junta invisuais, pessoas em cadeiras de rodas e muletas e alguns idosos, continua o percurso para tentar chegar ao elevador, em frente da sede do PS. Ainda não caminharam dois metros e, do outro lado da rua, a altura do passeio não deixa que as cadeiras de rodas subam para a estreita plataforma entre as duas vias de circulação. Com alguma força de quem está por perto, e só assim, é que quem está de cadeira de rodas consegue chegar ao destino.

Feito o atravessamento, surge um lanço de cinco degraus. A alternativa? Descer do passeio para o alcatrão para conseguir subir a rua, o que é apenas possível graças à presença de dois agentes da Polícia de Segurança Pública, presentes a pedido da organização a fim de garantir a segurança no trajecto. Finalmente, aí está o elevador de acesso ao metro mas, apesar de este se destinar sobretudo à população com mobilidade reduzida, a altura da sua plataforma volta a ser um entrave.

A tentativa agora é chegar aos autocarros, cuja paragem fica a meio do largo. Além do trajecto ter de ser feito novamente pela rua, a calçada é de tal forma inclinada que tem de ser feita lentamente. No entanto, o semáforo no centro do passeio estreito, impede a passagem da maioria das cadeiras de rodas.

Aquele que seria um percurso de curtos minutos, desdobra-se em dificuldades “Muitas vezes cortam-nos a hipótese de tomarmos um simples café, o que leva a situações de isolamento”, desabafa ao PÚBLICO Ana Sezudo, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes. Mas o mais grave, aponta, é não existir garantia de acesso a lugares públicos, como escolas, hospitais, centros de saúde e serviços sociais, denuncia.

A luta não é recente e o direito à acessibilidade aos serviços mais básicos está em discussão desde 1982. Em 1997, o Estado português comprometia-se a democratizar a acessibilidade nos edifícios e vias públicas no espaço de sete anos. O tempo passou e, face ao incumprimento, em 2007 aprovou-se um novo decreto-lei que, dessa vez, dava o prazo de uma década às instituições para facilitaram os acessos. “As diferenças nos últimos dez anos são praticamente nulas”, analisa Ana Sezudo. Além disso, acrescenta, muitas obras construídas recentemente deveriam, de acordo com a legislação que vigora no decreto-lei 163/2006, contemplar a garantia de acessibilidade e não o fazem. Agora, a cerca de seis meses do fim do prazo, “as mudanças são pouco visíveis” e são várias as organizações que antecipam um novo decreto-lei para evitar as coimas.

A campanha, lançada em cooperação com a MURPI (Confederação Nacional de Reformados, Pensionistas e Idosos) e com o Movimento Democrático de Mulheres (MDM) decorre até Setembro, através de um questionário e da recolha de testemunhos e denúncias de todos os obstáculos que as pessoas com mobilidade reduzida enfrentam no seu dia-a-dia. Feita a recolha, as organizações envolvidas na campanha pretendem fazer uma denúncia pública aos órgãos de poder central e local, explica ao PÚBLICO José Reis, presidente da Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes.

O presidente da CNOD alertou ainda para a falta de transportes adaptados ou do número de elevadores que não funcionam, impedindo o acesso aos meios de transportes.

“Queremos fazer ver que não se admite mais nenhum adiamento das adaptações que precisam de ser feitas”, sublinha José Reis.

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