Camboja: há uma cidade medieval escondida debaixo da selva

Equipa do arqueólogo Damian Evans apresenta esta segunda-feira em Londres os resultados da exploração, feita através de uma sofisticada tecnologia laser.

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Templo de Angkor Wat, no Camboja Chor Sokunthea/ REUTERS

A revelação já tinha sido feita há três anos, quando a equipa do arqueólogo australiano Damian Evans anunciou ao mundo a existência de uma cidade antiga escondida debaixo da floresta tropical em volta do templo de Angkor Wat, Património da Humanidade.

Agora, vai saber-se muito mais sobre a verdadeira dimensão dessa urbanização medieval, na sequência das investigações desenvolvidas pela equipa daquele arqueólogo e arquitecto, a trabalhar no projecto Cambodian Archaeological Lidar Initiative (CALI), com a Escola Francesa do Extremo Oriente na cidade de Siem Reap, no Camboja.

A referida cidade, afinal, é um vasto complexo urbano com uma área de cerca de 1900 quilómetros quadrados, e que, pela sua dimensão, pode mesmo rivalizar com a actual Phnom Penh, capital deste país do sudeste asiático. A sua construção deverá ter decorrido entre os séculos VII e XII (note-se que o templo de Angkor Wat remonta à primeira metade deste século), e a urbanização inclui um elaborado sistema de aproveitamento e distribuição de águas que pode obrigar a rever o conhecimento do desenvolvimento tecnológico até agora reconhecido nesta região do globo.

As investigações foram realizadas através do sistema Lidar, uma sofisticada tecnologia de sensores remotos operados a partir de um helicóptero que cartografa o terreno com raios laser. E os resultados – anuncia o jornal The Guardian – vão ser divulgados esta segunda-feira no Journal of Archaeological Science, e simultaneamente apresentados ao público por Damian Evans na Royal Geographic Society, em Londres.

“Foram identificadas cidades inteiras sob a floresta que ninguém sabia que se encontravam lá”, disse o investigador australiano ao diário britânico, explicando que as novas descobertas vieram actualizar os resultados da exploração de 2012-13, quando se ficou a conhecer melhor a dimensão da cidade de Mahendraparvata, que fez parte do Império Khmer e fora abandonada há mais de 1200 anos. “Desta vez, conseguimos perceber tudo, e é mesmo grande, do tamanho de Phnom Penh”, acrescentou Evans.

Os novos dados relativos à cidade medieval perto de Angkor Wat levam os investigadores a acreditar estarmos na presença de um vasto império urbano do século XII, e que levarão necessariamente à alteração das teorias actualmente existentes sobre o desenvolvimento do Império Khmer, que entre os séculos IX e XV marcou todo um território que hoje é o Camboja, mas que se expandiu também por zonas actualmente fazendo parte da Tailândia, do Laos e do Vietname.

“O nosso conhecimento sobre as capitais pós-Angkor fornece-nos também novas perspectivas sobre o seu colapso”, explica Damian Evans. “Há a ideia de que, de alguma maneira, os Thais invadiram a região e toda a gente fugiu em direcção ao sul – mas isso não aconteceu, porque não há cidades [como agora podemos perceber através da observação aérea] para onde eles pudessem ter fugido. Isso põe em causa toda a noção que temos do declíneo de Angkor”, acrescenta o arqueólogo, em declarações ao The Guardian.

Antecipando-se à revelação mais detalhada dos resultados do projecto CALI, o diário britânico ouviu outros arqueólogos e investigadores com trabalhos ligados ao património histórico do Camboja, e todos eles concordam em que estas descobertas são as mais significativas das últimas décadas no domínio da arqueologia.

“Estas descobertas feitas através da tecnologia laser significam o maior avanço dos últimos 50 ou mesmo cem anos do nosso conhecimento da civilização de Angkor”, diz Michael Coe, professor de Antropologia na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e especialista na história da civilização Khmer.

“Eu estive em todos os sítios descritos e, de repente, eles saltam para a vida… É como se uma luz brilhante fosse entretanto ligada para iluminar o escuro véu que tinha coberto estes sítios. Do ponto de vista pessoal, é magnífico poder assistir, ainda em vida, a estas descobertas: emocionalmente, fico espantado; intelectualmente, fico estimulado”, comentou, por sua vez, Charles Highman, investigador da Universidade de Otago, em Dunedin, Nova Zelândia, um arqueólogo especializado nas civilizações do sudeste asiático.

 

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