Tutela de bebé de mãe que estava em morte cerebral pertence ao pai, dizem juristas

Progenitor assegurou que quer criar o filho, que decidiu baptizar com um segundo nome, além de Lourenço, Salvador.

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Responsáveis do hospital explicaram o caso numa conferência de imprensa DR

Para os juristas, não há qualquer dúvida: legalmente, a tutela de Lourenço, o bebé que tem estado no centro das atenções por ter crescido no útero da mãe em morte cerebral, pertence ao pai e é ao progenitor que compete ficar com a criança. Depois do aclamado feito da vasta equipa médica e de enfermagem do hospital de São José - que, ao longo de quase quatro meses, manteve de forma artificial as funções vitais da mulher de 37 anos, em morte cerebral desde Fevereiro após uma hemorragia intracerebral -,  tem sido colocada a questão de se saber quem fica afinal com o bebé, porque os avós maternos já terão manifestado a vontade de criar o menino.

“Acho estranha esta polémica.Tanto quanto sei, não existe qualquer conflito. O pai tem toda a legitimidade para ficar com o filho. O exercício da paternidade cabe em primeira linha aos pais”, enfatiza o advogado Pedro Madeira de Brito, jurista que fez parte da comissão de ética do Centro Hospitalar de Lisboa Central (em que está integrado o hospital de São José) que avaliou o inédito caso de Lourenço.

"À partida, quando um progenitor morre, o poder paternal pertence ao outro”, corrobora Francisco Maia Neto,  procurador agora reformado, especialista em direito de menores e de família. Apesar de compreender o desejo dos avôs maternos, Maia Neto frisa que a “lei é clara” e que estes podem de facto pedir a regulação do poder paternal mas isso servirá apenas para regular as visitas ao neto.

Aos avós, lembra, “cabe o direito de proximidade” que o Código Civil prevê, a não ser que se venha a provar que pai não tem potencial de assegurar a responsabilidade parental. "Não há nada de inédito e especial, do ponto de vista jurídico, neste caso, apesar de o nascimento de Lourenço constituir um feito do ponto de vista da medicina", acentua mesmo Maia Neto. Apesar das circunstâncias absolutamente extraordinárias do seu nascimento, Lourenço é uma criança como qualquer outra, sublinha igualmente Pedro Madeira de Brito.

Progenitor quer levar o filho para casa

O pai do bebé, Miguel Ângelo, 38 anos, deixou claro que tenciona levar Lourenço para casa, mal ele tenha alta do hospital. Miguel contou ao jornal online Observador que quando o filho nasceu chorou e decidiu: “É agora que vou dar um rumo à minha vida”. Lourenço era o nome escolhido por Sandra, que já tinha outro filho de 12 anos de um relacionamento anterior. Quando Lourenço nasceu, o pai quis acrescentar-lhe outro nome, Salvador. “Ele conseguiu salvar-se”, explicou. Para trás ficavam quatro meses de muitas dúvidas e emoções contraditórias. “Primeiro disseram-nos que o bebé podia nascer com problemas. Não era garantido que fosse um bebé saudável”, recordou.

Foi justamente a singularidade de toda esta situação que levou a comissão de ética do Centro Hospitalar de Lisboa Central a decidir accionar, antes do nascimento, um processo de protecção do feto junto do Ministério Público (MP), de maneira a acautelar um eventual risco de “conflito de interesses”. Fez-se uma analogia entre a vida daquele feto e os menores em risco, à semelhança do que acontece num processo tutelar, e o MP, na qualidade de representante do Estado, aceitou protegê-lo, lembra Madeira de Brito.

“Havia três valores jurídicos em discussão: a existência do feto enquanto bem jurídico autónomo, o respeito pelo cadáver e os direitos e interesses da família“, elenca. Mas acabou por não ser necessária qualquer intervenção. “Estava toda a gente de acordo. Tanto do lado materno como paterno, todos concordaram em  respeitar a vontade da mãe”, afirma Madeira de Brito que não entende o motivo da polémica sobre a tutela do menino.

Nascido às 32 semanas, Lourenço continua agora internado nos cuidados intensivos da unidade de neonatologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central e para já não têm surgido problemas. No segundo boletim clínico dos “primeiros dias do pequeno Lourenco”, o hospital adiantou esta sexta-feira que, 70 horas após o nascimento, ele mantinha-se "clinicamente estável e a evoluir favoravelmente, com tolerância alimentar e autonomia respiratória”.

Foi o processo de prolongamento do corpo e da gravidez de Sandra por 15 semanas que tornou este caso inédito em Portugal e muito raro em todo o mundo. Segundo Ana Campos, a obstetra da Maternidade Alfredo da Costa que acompanhou este caso, o tempo máximo de uma grávida em morte cerebral mantida artificialmente, descrito na literatura científica, é de 107 dias.

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