Há mais eurocepticismo para além do “Brexit”

Inquérito do Pew Research confirma que o descontentamento com a UE está a alastrar entre os Estados-membros. Número de pessoas com opinião desfavorável da instituição é maior em França do que no Reino Unido.

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Os europeus dão nota negativa à gestão económica e à forma como a UE lidou com a crise dos refugiados Francois Lenoir/Reuters

Os olhos estão postos no Reino Unido e no referendo marcado para dia 23, mas um estudo de opinião realizado pelo Pew Research Center mostra uma queda acentuada da popularidade da União Europeia na generalidade dos Estados-membros. A Grécia mantém-se como o país mais descontente, mas foi em França e Espanha que o eurocepticismo mais terreno ganhou nos últimos anos.

A crise da zona euro, já se sabia, deixou marcas em toda a União, fazendo disparar o repúdio pela forma como Bruxelas geriu os programas de empréstimo aos países em dificuldades. O think-tank norte-americano sublinha, porém, que nos inquéritos de opinião 2014 e 2015 a organização tinha recuperado alguma da reputação perdida. Mas o ano passado trouxe a crise dos refugiados e a forma como a UE lidou com a chegada de um milhão de pessoas ao continente voltou a influenciar negativamente a opinião que os europeus têm dela.

Nos dez países abrangidos pelo inquérito – representando 80% da população da UE e 82% do seu PIB – a maioria dos inquiridos chumba a gestão da crise migratória, sendo o repúdio maior na Grécia (94%) e Suécia (88%) e menor na Alemanha (67%) e Holanda (61%). Não fica claro se o que indigna os europeus é a União ter demorado a travar o fluxo de refugiados ou se, pelo contrário, os inquiridos estão descontentes com a incapacidade europeia para pôr em prática as quotas definidas para a distribuição dos recém-chegados. Certo é que na Hungria e na Polónia, onde os governos adoptaram políticas muito rígidas, o descontentamento é menor do que em Itália ou na Grécia, os dois países de desembarque dos candidatos a asilo.  

Mas a crise económica não saiu do radar dos europeus e, em seis dos dez Estados-membros abrangidos, a maioria dos inquiridos não aprova a forma como a UE tem reagido ao fraco crescimento e à derrapagem das contas públicas dos seus Estados-membros. Um desagrado que não espanta na Grécia, onde 92% criticam a gestão de Bruxelas, mas que é também maioritário em Itália, França, Espanha, Suécia e Reino Unido.

Somados os dez países, só uma pequena maioria – uma mediana de 51% – tem opinião favorável da UE. Não espanta que a Grécia seja o país com maior número de pessoas com opinião negativa (71%). Mais surpreendente é o facto de o número de descontentes com a instituição ser mais elevado em França do que no Reino Unido, o país onde o eurocepticismo há mais tempo firmou raízes e que, admitem as sondagens, pode aprovar dentro de duas semanas a saída da UE.

“Os britânicos não são os únicos com dúvidas sobre a União Europeia”, escreve Bruce Stokes, principal autor do relatório divulgado terça-feira pelo Pew Research, apontando o “forte declínio” no apoio à instituição “em vários dos seus maiores Estados”.

Em França, onde a economia tarda em sair da estagnação e o desemprego não recua, apenas 38% dos inquiridos têm opinião favorável da UE, uma queda de 17 pontos em relação ao ano anterior e de 31 pontos percentuais face a 2004. Uma eveolução a que não é estranha a ascensão da Frente Nacional, cuja líder, Marine Le Pen, se posiciona como candidata presidencial com mais hipótese de passar à segunda volta, nas eleições de 2017.

O desencanto com a UE cresce também em Espanha, há seis meses com um governo de gestão, e onde menos de metade dos inquiridos (47%) diz ter opinião negativa sobre a UE. Há pouco mais de uma década, 80% dos espanhóis eram favoráveis à instituição e ainda no ano passado essa era a opinião de dois terços dos inquiridos. Em contrapartida, e apesar das críticas frequentes de Bruxelas aos governos populistas de ambos os países, a Polónia e a Hungria são os dois países onde mais inquiridos dão nota positiva à acção da UE, com 72% e 61% de opiniões favoráveis, respectivamente.

O inquérito, realizado entre 4 de Abril e 12 de Maio, envia também um outro recado aos líderes europeus, ao mostrar que não é só no Reino Unido que o princípio da “união cada vez mais estreita” – fórmula inscrita no Tratado de Roma e que serve de base aos projectos de integração – gera desconforto. Dois terços dos gregos e britânicos defendem que alguns dos poderes transferidos para Bruxelas devem regressar aos governos nacionais, uma posição que ganha também terreno em países tradicionalmente pró-europeus, como é o caso da Suécia ou Alemanha (43%).

Mas se o eurocepticismo está em alta e a desconfiança cresce entre os europeus, a possibilidade de o Reino Unido deixar a UE é vista com preocupação: em todos os outros nove países abrangidos pelo estudo, a maioria dos inquiridos considera a saída britânica “uma coisa má”, um receio que é maior entre os suecos (89%) e menos entre os franceses (62%) e italianos (57%).

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