O sol é mau

Mudando só duas consoantes, a minha pele, de tão frita, já não azeitava aceite nenhum.

É sempre chocante o primeiro escaldão do ano. Pensávamos que tínhamos finalmente dado uns tímidos mergulhos no mar e fugido sensatamente para a sombra de um livro, muito inteligentemente segurado para impedir o sol de nos chamuscar a pele muito sensível e muito linda que cobre o nosso rosto como se fora neblina.

Pensamos que nos fez bem aquele banho. Mas o sal ocêanico está apenas a temperar-nos para o sol para mais bem nos poder grelhar as bochechas de porco na brasa.

Sal e sol. E sul. É a trilogia de palavras com três letras apenas que, tal como a palavra mãe, tem ajudado os piores poetas a serem simultaneamente aliterativos e analfabetos.

Oito horas depois reparo que a Maria João está a olhar para mim mais com alarme do que com amor. O pensamento dela, julgo eu com os meus botões de madrepérola, não é tanto “eu amo-te” ou sequer “fez-te bem o teu primeiro dia de praia”, como “como hei-de eu arranjar maneira de dizer a este gajo – este turista inglês na vida portuguesa e perfeita que é a nossa – que tem a testa e a cara de uma cor com que nem os tomates algarvios conseguem ter em pleno Agosto?”

Horas depois do horror de ter sido confrontado com o apocalipse escarlate da minha aparência fui ver-me ao espelho: um castigo que tenho conseguido evitar desde a idade em que deixei de acreditar em brindes.

Assaram-me. Até o creme gordo da Barral me rejeitou. Mudando só duas consoantes, a minha pele, de tão frita, já não azeitava aceite nenhum. O sol morde. E bem.

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