Em fugir do meio é que está a virtude

As médias são úteis para nos situarmos em relação aos outros países e para termos uma ideia do nosso desempenho, mas devem ser lidas com inteligência.

Os filósofos clássicos e orientais nunca se cansaram de louvar a virtude da moderação e de alertar para os perigos dos excessos. Aristóletes recomendava, caso alguém não soubesse, que de um banquete não se deve sair nem bêbado nem com sede e os ditados populares de muitos países, incluindo o nosso, incorporaram esses preceitos em ditados como “no meio é que está a virtude”.

A moderação continuou a ter boa imagem nos escritos dos sábios e nos conselhos dos mestres, ainda que ela esteja quase totalmente ausente da vida dos heróis, dos santos e dos génios que todos admiramos, protagonistas de excessos por excelência e exemplos de vida que gostamos de citar aos mais jovens. “Extremista” tem, também nos nossos dias, uma conotação pejorativa, como vemos nas diatribes da direita que, quando incapaz de fazer críticas substantivas ao governo, diz que o PS obedece a uma “agenda extremista” - o que significa, na retórica do PSD e do CDS, respeitar a Constituição, gerir com responsabilidade o património público e defender os interesses nacionais na União Europeia.

Tudo isto para dizer que as posições que se afastam dos extremos continuam a ser apresentadas como sinónimos de sensatez, de equilíbrio, de prudência, de comedimento e que isso é visto em geral como bom. Há boas razões para isso. No domínio da saúde é fácil encontrar exemplos de como a moderação favorece o bem-estar e todos estamos de acordo que é possível encontrar um ponto médio ideal entre não beber água e beber 10 litros de água por dia ou entre não se levantar do sofá e correr 30 quilómetros todas as manhãs.

Esta teoria da moderação e do elogio do justo meio levou, nos últimos anos, com a banalização do tratamento de dados e a explosão da estatística, a um movimento de endeusamento das médias a que a imprensa se entrega com um ardor juvenil.

Não há uma percentagem que seja citada onde Portugal não apareça alarmantemente “acima da média europeia” ou “abaixo da média dos países da OCDE” ou de outra média qualquer - o que é normal, já que conseguir cair em cima do arame da média exacta é uma proeza reservada a equilibristas de alto coturno - e é raro que esse desvio da média não seja apresentado ou como um problema ou como uma confortável margem de segurança que podemos explorar já que a média é o lugar onde deveríamos estar.

De facto, não é.

As médias são úteis para nos situarmos em relação aos outros países e para termos uma ideia do nosso desempenho mas, tal como qualquer outro indicador, devem ser lidas com inteligência. Há casos onde é aceitável estarmos na média, mas na esmagadora maioria dos casos o nosso objectivo é estar muito acima ou muito abaixo da média.

Claro que queremos estar abaixo da média europeia de taxa de desemprego, ainda que esta nos dê uma informação preciosa sobre o estado do mercado de trabalho nos nossos principais parceiros económicos e nos dê uma ideia do que é razoável esperar. Claro que queremos estar muito acima da média europeia na sobrevivência dos doentes oncológicos. E claro que queremos estar muito abaixo da média europeia de mortos em acidentes de viação, ainda que nestes exemplos, mais uma vez, a média nos ofereça uma referência e nos indique o esforço que será necessário fazer para o conseguir, sabendo que, provavelmente, existirão benefícios marginais decrescentes para o investimento que formos fazendo nesses objectivos.

Será que, como estamos acima de muitos países do mundo em termos da redução das emissões de carbono (estamos prestes a atingir o tímido objectivo fixado para o ano 2030!) nos devemos deixar descair para a catastrófica média dos outros países e continuar a poluir até ao fim do mundo? Ou devemos, pelo contrário, definir um novo objectivo, mais ambicioso, e fugir a sete pés da média?

A política vive da definição de objectivos e da mobilização dos cidadãos para os alcançar. E, como não é de espantar, é mais fácil mobilizar as pessoas para um objectivo ambicioso que para o objectivo banal de ser igual aos outros.

Os media apresentam como vitórias o facto de as mulheres serem discriminadas nas pensões em Portugal mas não serem tão discriminadas como na média da UE. Ou o de teremos destruído milhares de empresas agrícolas mas de termos destruído menos do que na média da UE. Aparentemente, ainda podíamos ser piores e ficar na média. Esta abordagem não faz sentido e os media deveriam abandonar o subtexto segundo o qual Portugal não deve ambicionar mais do que “estar na média”. Há casos em que isso é desejável, muitos em que não o é. E tanto os portugueses como o actual governo são mais ambiciosos do que isso.

Houve em França, antes da revolução de 1848, um movimento de artistas de meias-tintas, intitulado justamente “juste milieu”, que apoiava a monarquia de Orleans e que se preocupava em fugir dos atrevimentos radicais das vanguardas artísticas do tempo. Sabe quem foram? Se não sabe, é natural. A história não guardou os seus nomes. Só os nomes dos atrevidos que fugiram da média.

jvmalheiros@gmail.com

 

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