Obrist, o curador que inventa novas regras do jogo

É estimulante encontrar novos formatos para apresentar arte, explicou Hans Ulrich Obrist, da Serpentine Gallery de Londres, numa conferência na ArcoLisboa.

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Hans-Ulrich Obrist dedicou a sua conferência da ArcoLisboa à arquitecta Zaha Hadid DANIEL ROCHA
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Hans-Ulrich Obrist dedicou a sua conferência da ArcoLisboa à arquitecta Zaha Hadid DANIEL ROCHA
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Em Take Me, I'm Yours, os visitantes podiam levar para casa as peças de roupa empilhadas por Christian Boltanski
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Os postais de Paris e as réplicas da Torre Eiffel de Hans-Peter Feldman, em Take Me, Im' Yours (2015)
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A Interview Marathon, com Rem Koolhaas, foi a primeira das maratonas anuais da Serpentine Gallery

Há uma frase que Hans Ulrich Obrist, o carismático curador da Serpentine Gallery, em Londres, gosta de citar: “Só nos lembramos das exposições que inventam uma nova regra do jogo.” E foi essa que escolheu para começar a sua apresentação sobre novos formatos de exposições perante uma sala cheia na Cordoaria Nacional, no domingo, o último dos quatro dias da feira de arte ArcoLisboa.

A frase foi-lhe dita há muitos anos pelo artista, amigo, e companheiro de curadoria em muitas exposições, Christian Boltanski. Obrist, que nasceu na Suíça, conta que era um jovem de 17 anos, obcecado por arte, quando, numa viagem a Paris, contactou Boltanski e ouviu, pela primeira vez, a frase que iria condicionar a forma como, desde então, encarou aquela que viria a ser a sua profissão.

Um outro artista, Richard Hamilton, disse-lhe mais tarde que “só nos recordamos de exposições que inventam uma nova forma de mostrar”. E é inspirado nestas duas ideias – e tirando partido de uma energia que parece inesgotável e que o leva a falar com enorme velocidade (facto pelo qual teve de pedir desculpa a quem fazia tradução simultânea na sessão na Cordoaria) – que Obrist tem organizado algumas das mais originais exposições das últimas décadas.

Tudo começou, quando era ainda muito jovem, com uma pequena exposição na cozinha da sua casa. “Durou três meses e teve 27 visitantes”, conta. Mas, como explicará depois, esta experiência da “arte num contexto muito doméstico” foi o embrião de uma ideia que continua a desenvolver. Uma das coisas de que mais gosta, aliás, é desta possibilidade de trabalhar em exposições infinitas, que têm um princípio mas não um fim.

“É muito difícil voltar a apresentar a mesma exposição”, diz. Se isso é possível com uma peça de teatro, é muito mais complicado com artes plásticas. E também detesta a ideia de que uma exposição pode ser apresentada numa cidade, de seguida empacotada e enviada para outra onde é montada exactamente da mesma maneira. “Tenho horror a périplos, considero-os um desrespeito total pelo contexto. Uma exposição deve ser um diálogo diferente em cada cidade.”

Um dos trabalhos que apresentou na Cordoaria é precisamente a exposição Take Me (I’m Yours), que fez pela primeira vez, com Boltanski, em 1995 na Serpentine Gallery, e 20 anos depois, em 2015, na Monnaie de Paris. Alguns dos artistas que participaram na primeira voltaram para a segunda, juntando-se a outros novos.

Mas a ideia inicial manteve-se: apresentar peças com as quais os visitantes pudessem interagir, peças que pudessem tocar, pegar, levar com eles, acabando assim por dispersar a exposição por inúmeros locais. “Milhares de pessoas passaram a ter esta exposição em casa. Boltanski achou que era uma forma interessante de democratizar a arte.”

O próprio Boltanski empilhou peças de roupa que as pessoas podiam levar para casa, Gilbert & George fizeram badges com mensagens políticas e irónicas (“Descriminalizem o sexo”), Roman Ondàk pediu a cada visitante que deixasse um objecto e levasse em troca outro deixado pelo visitante anterior, e uma das salas encheu-se de postais e pequenas réplicas da Torre Eiffel, um trabalho do alemão Hans-Peter Feldmann (o público podia levá-las e no dia seguinte eram repostas, enchendo novamente a sala).

Outro exemplo de uma exposição como um work-in-progress é o projecto Do It, criado igualmente por Obrist e Boltanski. Nascido de uma conversa em Paris em 1993, prevê que os artistas enviem instruções que permitam montar a sua obra. Já aconteceu em muitas dezenas de cidades. “Não há um momento em que não esteja a acontecer um Do It em dois ou três sítios do mundo ao mesmo tempo”, diz Obrist.

Entretanto, a modesta exposição na cozinha da sua casa de juventude transformou-se num projecto mais amplo de exposições em casas. Uma delas, com o título The Insides are on the Outside, teve lugar em 2013 no Brasil, na Casa de Vidro, em São Paulo, da falecida arquitecta Lina Bo Bardi e do marido, Pietro Maria Bardi.

Obrist convidou vários artistas a fazerem intervenções. “É curioso que quando se faz uma exposição numa casa, os artistas tendem a fazer trabalhos mais íntimos do que os que se fazem para os museus." Apenas um exemplo: Cildo Meireles apresentou uma chávena de café, com cheiro, acompanhada por uma voz que de vez em quando diz “Lina, vai fazer um café”, uma frase que Pietro dizia quando em jantares com os amigos a conversa virava para a política, já que o casal Bardi tinha posições políticas distintas, sendo ele mais de direita e ela mais de esquerda.

Mas, mesmo em locais diferentes e com formatos diferentes, estas exposições são ainda peças de artistas a serem mostradas num espaço físico. Obrist quer mais do que isso e, na sua permanente inquietação, inventou outro formato: as maratonas. A primeira da série da Serpentine Gallery chamou-se The Interview Marathon e aconteceu em 2006 no pavilhão que nesse Verão foi desenhado por Rem Koolhaas e Cecil Balmond.

Foi nessa espécie de zepelim insufável que Koolhaas e Obrist conduziram uma maratona de 24 horas seguidas a entrevistar pessoas das mais diversas áreas, de políticos a cientistas, de realizadores de cinema a economistas. As entrevistas são algo que Obrist faz há muito tempo, registando as conversas que tem com artistas, mas na maratona o conceito foi alargado e o resultado, conta o curador, foi o nascimento de uma série de projectos novos que surgiram entre os participantes nestes encontros inesperados.

O sucesso da primeira edição levou a que no ano seguinte prosseguisse a ideia das maratonas (os vídeos de todas elas podem ser vistos no site da Serpentine), que foi também uma forma de dar uma vida diferente aos pavilhões feitos todos os anos por um diferente arquitecto convidado.

E assim surgiram a Maratona Experimental (2007), “num formado híbrido e profundamente libertador”, a Maratona Manifesto (2008), na qual vários artistas foram convidados a apresentar manifestos para o século XXI, a Maratona de Poesia (2009), a Maratona da Cartografia (2010), em que se ligou a questão dos mapas à da tecnologia, a Maratona dos Jardins (2011), a Maratona da Memória (2012) “a partir também da questão da amnésia na era digital”, a 89Plus (2013) que juntou artistas emergentes nascidos a partir de 1989 com “pensadores de todas as gerações”, a Maratona da Extinção (2014), a Maratona da Transformação (2015).

Neste momento está em preparação a Maratona de 2016, cujo tema será o Milagre. E certamente muitas outras ideias virão porque, como dizia a arquitecta Zaha Hadid, que morreu este ano e a quem Obrist dedicou a sua apresentação em Lisboa, “a experimentação não deve ter fim”. 

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