Associações acusam SEF de “fechar a porta” aos imigrantes

Ministra da Administração Interna sustenta que alterações nas práticas dos serviços visaram travar abusos cometidos por redes de imigração ilegal.

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Um despacho do SEF de Março passado pode comprometer a legalização de milhares de imigrantes Enric Vives-Rubio (arquivo)

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) está a “fechar as portas” a milhares de imigrantes ilegais que contavam ver regularizada a sua permanência em Portugal. As associações representativas do sector apontam o dedo a um despacho, de 21 de Março, em que a nova directora do SEF, Luísa Maia Gonçalves, restringe a possibilidade de legalização aos imigrantes que tenham visto Schengen e que consigam provar que a sua entrada no país ocorreu dentro do prazo de validade daquele visto (entre 15 a 30 dias).

“E assim, de uma assentada, são ilegalizados cerca de 90% dos imigrantes em processo de legalização”, denuncia a Plataforma Imigração e Cidadania (PIC), que congrega dezenas de associações do sector. Contra um despacho “que criou uma situação intolerável de estigmatização e exclusão de milhares de imigrantes”, a PIC pediu audiências aos diferentes grupos parlamentares e promete fazer chegar o problema ao primeiro-ministro, António Costa.

Até à data daquele despacho, os imigrantes provenientes de fora do espaço Schengen podiam aspirar a ver regularizada a sua permanência em território português, independentemente da forma como tinham entrado no país. A lei n.º 27/2007, de 4 de Julho, define no seu artigo 88.º, que regula a concessão de autorização de residência para o exercício de actividade profissional subordinada, que, excepcionalmente, mediante proposta do director-geral do SEF ou por iniciativa do Ministério da Administração Interna (MAI), podem requerer autorização de residência todos os que possuam contrato de trabalho (ou uma relação laboral comprovada por sindicato) e que estejam inscritos na Segurança Social. O SEF determinou, em despacho datado de 2015, que aquelas estas regras se aplicavam mesmo aos que, cumprindo aqueles requisitos, não possuíssem visto de residência válido, ou seja, mesmo que tivessem entrado no país de forma irregular.

30 mil ilegais no país

 “Legalizaram-se desta forma mais de cem mil imigrantes”, conta Timóteo Macedo, porta-voz da PIC, que congrega dezenas de associações do sector. “Eram pessoas que estavam integradas no mercado de trabalho, que contribuíam para a Segurança Social e que ajudavam a colmatar a necessidade de mão-de-obra que existe no país em determinados sectores”, precisa aquele responsável.

O cenário mudou em Março, altura em que o SEF fez saber que a entrada regular em território nacional passou a ser “condição impreterível” para a obtenção de autorização de residência. Na prática, e fazendo tábua rasa do que vinha sendo feito até então, o SEF passou a circunscrever a concessão das autorizações de residência aos cidadãos de países terceiros que conseguissem provar que entraram em Portugal ainda dentro do prazo de validade do visto Schengen. “Os cidadãos que entram directamente em Portugal não chegam aos 5%”, denuncia Timóteo Macedo, para quem “mesmo de Cabo Verde é difícil obter um visto de turismo para Portugal”.

Acresce que “não chegam a ser cem por ano os imigrantes que entram legalmente em Portugal”, ainda segundo aquele porta-voz. E isso acontece porque “é completamente impossível, uma utopia”. E, portanto, “os imigrantes vinham e depois, embora com um sistema burocrático muito pesado, lá se iam conseguindo legalizar”.

Neste momento, haverá em Portugal “cerca de 30 mil imigrantes ilegais”, ainda segundo Timóteo Macedo. E a alteração das regras terá ainda repercussões sobre os 1500 imigrantes que tinham já feito a sua declaração de interesses junto do SEF para se legalizarem. “É gente já com processos completos, impressões digitais e fotos incluídas, e que estavam à espera de receber o seu título em casa.”

Em nome do “interesse nacional”

Ao PÚBLICO, o SEF explicou que o despacho de 21 de Março visou travar a utilização abusiva que vinha sendo feita relativamente ao requisito da “entrada legal” por estrangeiros que nem sequer estavam em território nacional. O objectivo passa, assim, por “evitar o efeito de chamada de cidadãos estrangeiros em situação irregular no restante espaço Schengen”, bem como salvaguardar “o interesse nacional”. Quando, na semana passada, foi interpelada a este propósito pelos deputados na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, explicou que o despacho de 2015, o tal que desligava a possibilidade de legalização da forma de entrada no país, era “ilegal” e teve um efeito perverso. “Conduziu a um crescimento exponencial dos pedidos e das manifestações de interesse [na legalização] em que muitas vezes não há documentação e em que as próprias pessoas indicam ser brasileiras quando, na realidade, são senegalesas ou paquistanesas”, exemplificou a ministra.

O despacho de 21 de Março visou, assim, “pura e simplesmente repor a legalidade”, segundo a ministra, e, simultaneamente, travar os abusos que estavam a ser cometidos por algumas redes de imigração clandestina, os quais, de resto, estarão já a ser investigados pelas autoridades policiais.

Quanto aos 1500 processos de legalização em curso, Constança Urbano de Sousa garantiu que serão “analisados caso a caso”, para “separar o trigo do joio”. “Muitos nem sequer estavam em Portugal, vieram só tentar a legalização a Portugal, com a esperança, que alguém lhes vendeu, de assim regularizarem a sua situação no território da União Europeia: França, Espanha, Reino Unido… Mas para os outros, os que têm cá o centro da sua vida e o seu trabalho, haverá espaço na lei.” E, mesmo que tenham entrado com um visto caducado, “há sempre possibilidade de prorrogar retroactivamente as permanências”, explicou ainda a titular do MAI.

Para o porta-voz da PIC, porém, “nenhuma lei deste país pode andar a reboque das interpretações do novo director do SEF ou da nova ministra”. O que está em causa, para Timóteo Macedo, é “um endurecimento das políticas de imigração”. “Não permitiremos que os imigrantes sejam transformados no bode expiatório desta crise”, avisa, lembrando que, em 2010 — data do último estudo conhecido —, as contribuições dos estrangeiros para a Segurança Social registaram um saldo positivo de 316 milhões de euros. "Mais uma razão para que Portugal, que até recebeu prémios de boas práticas na integração dos imigrantes, não se ponha agora a adoptar políticas que escorraçam milhares e milhares de pessoas", conclui. 

Mais 45 novos funcionários no SEF

Confrontada com os atrasos nos processos de concessão de autorização de residência e da emissão do próprio cartão que chega a demorar mais de um ano, a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, justificou-se com a falta de funcionários no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que, durante dez anos ou mais, “não integrou um único funcionário”. “Vamos começar agora em Junho com 45 novos funcionários da fiscalização que foram recrutados por recurso à mobilidade interna”, anunciou, garantindo que “a falta crónica de recursos humanos tem que ser e vai ser colmatada com o tempo”.

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