Hiroxima não quer desculpas, quer que Obama acabe com as armas nucleares

Está a ser planeada uma modernização sem precedentes do armamento atómico dos EUA. Presidente americano visita a cidade japonesa destruída por uma bomba nuclear na II Guerra.

 Hiroxima depois da bomba — na imagem, as ruínas de um teatro
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Hiroxima depois da bomba — na imagem, as ruínas de um teatro AFP
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O antigo teatro é agora um memorial Thomas Peter/Reuters

Barack Obama é o primeiro Presidente norte-americano em exercício a visitar Hiroxima, a cidade japonesa onde os Estados Unidos lançaram a primeira bomba atómica, a 6 de Agosto de 1945. Mas não se espere dele que venha pedir desculpa ao Japão, avisou: “É importante reconhecer que durante uma guerra, os dirigentes têm de tomar todo o tipo de decisões. Cabe aos historiadores fazer perguntas e analisá-las”, disse à televisão japonesa NHK.

Mas também não é de desculpas que a maioria dos japoneses está à espera. Nem sequer os hibakusha, os sobreviventes da detonação das bombas nucleares sobre Hiroxima e Nagasáqui (a 9 de Agosto), cidades onde fizeram 140 mil e 74 mil mortos, respectivamente,. Preferem que o Presidente norte-americano, cujo prémio Nobel se deveu em grande parte às enormes expectativas que criou em 2009 com o seu discurso de Praga sobre o desarmamento nuclear, aproveite o momento da visita a Hiroxima para dar um passo decisivo para libertar o mundo da ameaça sempre presente, nas últimas décadas, das armas nucleares.

Uma sondagem realizada pela agência de notícias Kyodo junto de 115 hibakusha  no ano passado, o Governo de Tóquio reconhecia ainda a existência de 183.519, a maior parte deles a viver no Japão, mas alguns residem na Coreia do Sul e na China, por exemplo  concluiu que 80% não está hoje interessado em desculpas.

“Mais do que um pedido de desculpa, a forma de compensar pelo passado seria o Presidente expressar a sua determinação em acabar com a bomba atómica num local onde a bomba foi usada, conduzindo-nos a um mundo livre de armas nucleares”, disse o presidente da câmara de Hiroxima, Kazumi Matsui, citado pela revista Foreign Affairs.

A herança de Truman

Pedir desculpas enlearia Obama em nós difíceis de desatar em termos de política interna americana  os republicanos já lhe chamam o Presidente que pede desculpa pela América, e já classificaram outras viagens suas como “Tournées do Perdoa-me”. O discurso de Obama no Cairo de apelo à pacificação com mundo muçulmano, o de Estrasburgo sobre uma nova era de responsabilidade na política e a reinvenção dos laços transatlânticos, ambos de 2009, e a viagem à América Latina, mais recentemente, com a visita a Cuba e à Argentina (onde anunciou a abertura dos arquivos secretos sobre o tempo da ditadura) são vistos pelos conservadores norte-americanos como momentos de recuo histórico.

Os historiadores ainda não chegaram a conclusões evidentes para explicar a necessidade do Presidente Harry Truman em ordenar o bombardeamento de Hiroxima, e depois de Nagasáqui, para acabar com a II Guerra Mundial, que se travou de forma desumana no Pacífico. O Japão rendeu-se a 2 de Setembro de 1945.

Na época, o conflito na Europa aproximava-se do fim, mas continuava a haver grandes massacres na Ásia, apesar de as forças nipónicas estarem profundamente esgotadas e de dezenas de cidades japonesas terem sido destruídas pela aviação americana, que as cobria com um manto de bombas incendiárias. Para Truman, a bomba atómica foi a alternativa a uma invasão terrestre do Japão, que os estrategas militares estimavam que poderia causar 250 mil baixas directas e prolongar a guerra durante mais um ano. Entre os conselheiros de Truman, alguns opuseram-se ao uso de uma arma nova que foi desenvolvida pelo anterior Presidente, Franklyn D. Roosevelt  entre eles Dwigth Eisenhower, o futuro Presidente dos EUA e então comandante das forças americanas na Europa.

Depois de consumados os bombardeamentos, e enquanto durou a ocupação americana do Japão, de 1945 a 1952, esteve em vigor uma censura que se reflectiu nos jornais dos EUA que ocultou os efeitos da bomba atómica. A destruição dos locais e das pessoas era trivializada de várias formas, mesmo quando eram divulgadas fotografias, e o poder da bomba atómica era glorificado e o heroísmo americano sublinhado. Defendia-se que tinham sido poupadas as vidas de um milhão de americanos ao utilizar esta arma de poder destruidor inaudito.

A ignorância sobre o inferno que se libertaria com a bomba nuclear  a de Hiroxima tinha 16 quilotoneladas, face às armas actualmente disponíveis era pequena  era enorme. Há documentos que mostram que Robert J. Oppenheimer, o cientista que dirigiu a equipa que desenvolveu a bomba atómica, defendia que a nova arma deveria ser usada em Quioto, uma cidade com habitantes mais cultos, que poderiam compreender mais facilmente que se tratava de uma nova arma… Temia-se que os japoneses não compreendessem que algo de novo lhes tinha caído em cima.

Os primeiros relatos mais honestos surgiram em jornais fora dos Estados Unidos, porque o New York Times, ou a revista Life publicavam histórias distorcidas ou manipuladas. Para os norte-americanos, a reportagem que se tornou de referência foi a realizada por John Hersey, que esteve nas cidades bombardeadas um mês depois, e publicou na revista New Yorker (Hiroshima, de John Hersey, tem edição portuguesa na Antígona). Mas demorou a estar disponível no Japão, o país que sentiu na carne os efeitos da bomba.

A corrida às armas

A história de Obama como Presidente dos Estados Unidos está marcada pela esperança do desarmamento nuclear. Assinou um novo um novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START) com a Rússia em 2010, que reduziu o número de ogivas nucleares prontas a entrar em acção a 1550 para ambos os lados. Mas não conseguiu obter do chefe de Estado russo, Vladimir Putin, novas reduções, embora lhe tenha proposto fazer descer o número de ogivas para perto de mil.

Conseguiu também um acordo para afastar o Irão da produção de uma bomba nuclear durante pelo menos uma década. Mas a Coreia do Norte, apesar de aumentarem as sanções, continua a fazer testes nucleares, sem que os esforços diplomáticos tenham progredido. Na Ásia, Índia e sobretudo Paquistão continuam a aumentar os seus arsenais, dando corpo ao cenário de um confronto nuclear regional. Os riscos da proliferação nuclear não abrandaram propriamente durante o tempo de Barack Obama na Casa Branca.

E durante o mandato Obama como comandante-em-chefe que os militares norte-americanos planearam um processo de modernização do armamento nuclear do dos EUA de dimensões nunca vistas, nem no auge da Guerra Fria. Este rearmamento está a ser acompanhado pela Rússia, pela China e por outros outros poderes nucleares menores. Pequim está a preparar-se para enviar, pela primeira vez, os seus submarinos nucleares em patrulhas no Pacífico, noticiou o Guardian.

“Podemos estar a entrar numa espiral semelhante à Guerra Fria”, reconheceu James Clapper, director dos Serviços Nacionais de Informação, na audição anual no Senado sobre a avaliação de ameaças à segurança nacional, relata o New York Times.

Nesta nova corrida às armas o mais importante não é a quantidade, é a qualidade. Os EUA planeiam gastar um bilião (um milhão de milhões) de dólares durante as próximas três décadas para desenvolver novas armas, novos sistemas miniaturizados, mais precisos e mais rápidos. Estas inovações podem tornar necessário a realização de ensaios nucleares. Os EUA e a China fazem parte dos 32 entre 183 signatários do Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares (CTBT, na sigla em inglês) que ainda não o ratificaram, embora se tenham auto-imposto uma moratória, que faz com que há cerca de 25 que não realizem nenhum teste. Se algum país signatário fizer um teste, rapidamente outras nações se retirarão do tratado, quer o tenham ratificado ou não.

São tempos perigosos os que se aproximam. Existem cerca de 16 mil armas atómicas no planeta e stocks para construir, teoricamente, 20 mil bombas de urânio e perto de 80 mil de plutónio, segundo os cálculos feitos por Jeffrey Smith, do Centro de Integridade Pública, e divulgados na revista Foreign Policy.

O esforço para aperfeiçoar as armas nucleares pode levar a ultrapassar a velha lógica da Guerra Fria da Destruição Mútua Garantida (MAD, na sigla em inglês)  o princípio de que seria impossível ganhar uma guerra nuclear, porque qualquer ataque teria sempre uma resposta maciça e resultaria sempre na aniquilação de todas as partes. Ao aprimorar-se tanto a precisão das armas, aumenta-se a tentação de as usar, sublinha o New York Times.

A Rússia tem investido na modernização das suas forças armadas e não deixou de lado o seu armamento nuclear. Mas a China é a única das cinco grandes potências nucleares que está a aumentar o seu arsenal nuclear e a Union of Concerned Scientists, um grupo a favor do controlo do armamento, tem alertado para o facto de Pequim estar a mudar a sua estratégia nuclear: passará a lançar um ataque retaliatório se tiver um alerta de ataque nuclear, e não depois de ser atacada. Esta era a política dos EUA durante a Guerra Fria; foi alterada pelo Presidente Bill Clinton. Os EUA agora só contra-atacarão depois de atingidos.

E Pearl Harbor, Abe?

Ao visitar Hiroxima, Barack Obama entra na complexa teia de culpas asiática, cheia de alçapões onde nenhum americano quer cair. A II Guerra Mundial, e as guerras e ocupações que lhe antecederam, deixaram muitas feridas que ainda não sararam. E se hoje o Japão se vê como mártir, os países vizinhos não esquecem que o império nipónico foi o vilão do Pacífico e causador de muito sofrimento.

Hoje, o Pacífico para onde Obama ambiciona expandir os interesses estratégicos americanos, continua a ser uma polvoreira, onde a China quer exercitar o seu novo estatuto de superpotência marítima e económica, pisando os territórios reivindicados por países vizinhos.

A Coreia do Sul, que tem importantes contas a ajustar com o Japão devido à II Guerra  uma delas, muito importante, diz respeito às “mulheres de conforto” obrigadas a trabalhar em bordéis para militares japoneses  já torceu o nariz à viagem de Obama a Hiroxima. Entre os mortos das bomba atómicas, entre 40 mil e 50 mil eram sul-coreanos que tinham sido levados para Hiroxima e Nagasáqui como trabalhadores forçados, e muitos dos que sobreviveram foram devolvidos à Coreia, sem tratamento.

Muitos, nos EUA e na Ásia, defendem que Obama só deveria ir a Hiroxima depois de o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, ir a Pearl Harbor e pedir desculpa pelo ataque japonês às forças americanas, que levaram os EUA a entrar na II Guerra. Este ano há a oportunidade perfeita, pois a 7 de Dezembro passam 75 anos do ataque. Mas nessa altura já estará eleito um novo Presidente nos EUA, embora ainda não tenha tomado posse. E Abe já disse que o Japão "não pode continuar a pedir desculpa para sempre."

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