São Jorge: Os “malucos” do queijo que dão música clássica às vacas

Será, provavelmente, um dos maiores embaixadores gastronómicos da ilha – quem nunca ouviu falar dele, que atire o primeiro queijo. Obtido a partir do leite cru dos milhares de vacas que pastam pelos campos verdejantes da ilha, o queijo de São Jorge, de forma redonda, em exemplares que pesam entre sete e 12 quilos, tem pasta dura ou semimole e um travo picante inconfundível.

A Queijaria Canada é apenas uma das muitas que se dedica à produção deste ex-líbris da ilha, mas tem a particularidade de ser uma pequena empresa familiar, arredada das cooperativas. “É uma empresa familiar feita por quatro malucos”, define Graça Silveira assim que nos abre a porta da queijaria, um edifício amarelo forte a destacar-se no verde envolvente. Os “malucos” são ela, o marido, Manuel Silveira, o filho João e a filha Júlia. “Numa ilha destas, numa empresa destas, a fazer queijo com tanto queijo que há para aí, é de doidos, não acha?”, insiste.

Foi há 15 anos que decidiram lançar-se na produção e desde então trabalham muitas vezes “das seis da manhã às dez da noite”. Têm 60 vacas – e vemos algumas a pastar nos campos em redor – que, por regra, “dão 10 litros cada uma por ordenha, duas vezes por dia”, explica Graça. E a hora de ordenha é aqui muito levada a sério: para acalmar as vacas, e com isso incrementar a qualidade do leite, Manuel Silveira põe música clássica a tocar.

Quando chegamos à Canada, de onde, por ano, saem “entre 12 a 15 toneladas de queijo”, o filho João chega também com o leite da ordenha desta manhã, que vai entretanto ser caldeado com o da noite anterior. “O leite da véspera é melhor, por isso se misturam sempre os dois”, aponta Graça, mostrando-nos o processo na grande cuba de inox, com capacidade para 800 litros. Na parede desta sala está pendurado um crucifixo, como que a velar pela qualidade do que aqui se faz.

Depois, há que esperar que o líquido atinja os 29, 30 graus. Junta-se entretanto o coalho – neste caso, oito colheres, uma colher por cada 100 litros – e mais tarde “o soro da véspera do dia, que faz as vezes dos fermentos lácteos”. “Setenta por cento do leite que aqui está resulta em soro, só 30% resulta em pasta”, esclarece Graça Silveira que, uma hora depois, corta o queijo e eleva a temperatura da cuba, “para aumentar a acidez”.

Os queijos são entretanto enformados, nos cinchos, e permanecem 48 horas na prensa, passando finalmente para o secador. “No mínimo, saem daqui com 60 dias de cura, mas gosto que saiam com três meses. Às vezes não conseguimos porque vendemos tudo antes”, conta agora Manuel Silveira, que se juntou à conversa e nos leva para uma sala forrada de prateleiras de madeira onde repousam centenas de queijos em processo de cura. “Aqui temos uma cura sem frio, não há câmaras frigoríficas, aquecemos o leite em banho-maria, é tudo feito de forma artesanal. E isso contribui para a qualidade do produto final.”

“Fazer queijo de São Jorge é uma paixão”, revela, por seu lado, Graça, que “em criança” via a avó a fazê-lo e sempre teve vontade de pôr mãos à obra. “Pedi-lhe muitas vezes, e mesmo depois de casada, para me ensinar. Ela ria-se. E não me ensinou”, recorda. A paixão de Graça manteve-se, até que decidiu mesmo avançar. “Aprendi com outras pessoas, o senhor Eleutério, o senhor Ambrósio e o senhor Eduardo cantoneiro. O resto foi o amor e a vontade. Comecei a fazer queijo em 2001, a minha avó ainda o provou.”

Quem visita a Queijaria Canada pode provar e também comprar, naturalmente: os queijos da família Silveira vendem-se aqui a 8€ e são uma absoluta delícia, tendo agradado, até, ao repórter fotográfico da Fugas, que não é adepto de queijo. Vendem-se também noutras ilhas dos Açores e, no continente, na Manteigaria Silva, em Lisboa.

Queijaria Canada. Rua das Macelas, 1. 9800-341 Santo Amaro - Velas

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Manuel Roberto