Ex-aluno admite que jovem morto em praxe foi agredido e obrigado a fazer flexões

Mãe julgada por difamação após nomear os "assassinos" do filho em entrevistas na comunicação social. Queixoso, que foi arguido na investigação ao homicídio, disse que a vítima levou com uma revista por se ter esquecido do seu nome.

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Maria de Fátima, 62 anos: a sua entrada na sala de audiências silenciou todos Fernando Veludo/NFactos

Olavo Almeida admitiu nesta segunda-feira no Tribunal da Maia que Diogo Macedo, morto na sequência de agressões numa praxe na Tuna Académica da Universidade Lusíada de Famalicão, foi obrigado a fazer flexões e agredido com uma revista no pescoço. Nessa noite de Outubro de 2001 acabou transportado para o hospital. Tinha 22 anos, estava no quarto ano de arquitectura, mas continuava caloiro na tuna.

“Mandei-o fazer flexões como me mandavam a mim fazer. Foi o que me foi ensinado por outros”, justificou Olavo Almeida. “E o senhor, gostou?”, perguntou a juíza. Olavo, que ainda se diz “tuno” com 39 anos e a matrícula congelada há seis, não respondeu directamente, fez um desvio. “Ninguém era obrigado a fazer flexões. Só quem queria. Se não quisesse, não fazia.” Saía da tuna? “Não, ficava com um estatuto diferente.”

Diogo morreu há 15 anos. Nessa noite, após completar uma série de flexões, Diogo dirigiu-se a Olavo. “Caro tuno, posso levantar-me?” Olavo Almeida, segundo disse esta segunda-feira, achou “esquisito ele não se lembrar” do seu nome. “Foi por esse motivo que o Armando [outro tuno] lhe bateu com a revista”, contou Olavo.

“Vocês eram amigos?”, inquiriu, surpreendida, a juíza. “Sim, eu era amigo do Diogo, amigo de tuna”, respondeu Olavo Almeida, que insistiu não ter ainda encontrado uma “explicação para o que aconteceu”.

A justiça nunca encontrou também os responsáveis pelo homicídio e é agora a mãe, Maria de Fátima Macedo, que se senta no banco dos réus acusada de difamação. Em 2014, nomeou os “assassinos” de Diogo, acusando-os da morte do filho, em entrevistas a um jornal e a duas televisões.

Olavo Almeida, que foi arguido na investigação ao homicídio entretanto arquivada, testemunhou esta segunda-feira como queixoso. Não gostou do que a mãe de Diogo disse e apresentou uma acusação particular que o Ministério Público decidiu acompanhar.

Maria de Fátima tem agora 62 anos, mas a morte do filho envelheceu-a ainda mais. Mal caminha. Trémula e debilitada pelo luto, a sua entrada na sala de audiências silenciou todos. “Parece que os papéis na justiça se inverteram”, resumiu a sua advogada, Sónia Carneiro.

Maria mal conseguiu ter força para que a voz ficasse registada nos gravadores do tribunal. Juíza e funcionária tentaram duas vezes. À terceira conformaram-se e ouviram a pequena voz da mãe, que arrisca uma pena até dois anos de prisão ou o pagamento de um multa. Na sala, muitos tentaram embargar as lágrimas enquanto Maria recordava os contornos da morte do filho.

Em entrevistas ao Diário de Notícias, à SIC e à TVI não hesitou. “Existem dois suspeitos; fizeram um pacto de silêncio; chamaram-no para o matar; justiça era meter dentro da cadeia os assassinos do meu filho, porque há dois, um tal Olavo Almeida e um Armando”, sentenciou.

“Se a doutora tiver filhos, não gostava que fizessem isto aos seus”

A juíza perguntou-lhe esta segunda-feira se não sabia que o caso tinha sido arquivado. Respondeu a dor e a voz da mãe ergueu-se. “Ó senhora doutora, eu fiquei sem o meu filho... Não sei como é possível um ser humano ter tantas lágrimas para chorar de manhã à noite há 15 anos.” A magistrada recordou-a que ninguém foi levado a tribunal. E esse é o problema para Maria.

“Se a doutora tiver filhos, não gostava que fizessem isto aos seus filhos”, clamou, levantando as mãos. A juíza conteve-se. “Com as entrevistas, queria que o processo não ficasse no esquecimento?” Maria ainda acredita que um dia alguém dirá finalmente o que fizeram ao filho. O relatório da autópsia narra traumatismos desde a cabeça aos testículos. As agressões na praxe ditaram o destino a Diogo, concluiu um juiz, em 2009, num processo cível. Em 2013, o Supremo Tribunal confirmou-o.

A Universidade Lusíada de Famalicão foi condenada a pagar uma indeminização de 90 mil euros a Maria. Olavo Almeida, agora consultor financeiro, exige-lhe uma indeminização de 120 mil euros.

Esta segunda-feira, Olavo sublinhou que não é um “assassino” e lamentou a sua dor. “Ela perdeu um filho, mas eu perdi um amigo.” “Não é a mesma coisa, não é?”, atirou a juíza.  O seu advogado, Eduardo Guimarães, insistiu que Olavo “vive um inferno”, sendo desde então apontado na rua como suspeito. O queixoso culpou a comunicação social por nunca o ter ouvido, mas à saída do tribunal saiu rapidamente, recusando falar aos jornalistas.

Em tribunal, a juíza salientou que foi Olavo Almeida quem preferiu expor-se, dando uma entrevista em 2004 sobre o caso à SIC, e que não terão sido, por isso, as palavras de Maria de Fátima, em 2014, a causar-lhe os danos maiores. “Nunca se queixou das televisões, mas queixa-se agora da mãe?”, interrogou a magistrada.

Na reportagem emitida na SIC em 2004, outro jovem da tuna disse ter havido uma reunião para acertar versões a contar à Polícia Judiciária. Assume ter questionado também Olavo Almeida sobre o que aconteceu: “Não querendo desconfiar de ti, se ele se sentiu mal ali e caiu para o lado, explica-me como é que ele acusou tantos hematomas, quer dizer, atirou-se contra as paredes”?

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