Gravação de ministro sobre Lava Jato abre crise no novo governo brasileiro

Um dos principais ministros de Michel Temer, Romero Jucá foi apanhado em flagrante a dizer que a maior operação de combate à corrupção no Brasil devia ser travada - e que a Presidente Dilma devia ser afastada para isso acontecer

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Ministro Romero Jucá chamou a imprensa para dizer que não se demite após divulgação de gravação comprometedora AFP/EVARISTO SÁ

Menos de duas semanas depois de Michel Temer ter assumido a Presidência interina do Brasil na sequência do afastamento de Dilma Rousseff pelo Congresso, estalou uma crise no seu Governo que já custou a cabeça de um dos seus principais ministros. Romero Jucá, ministro do Planeamento, Orçamento e Gestão, investigado por suspeita de corrupção no escândalo da Petrobras, anunciou nesta segunda-feira que vai deixar o cargo, depois de a imprensa brasileira ter divulgado uma conversa gravada sem o seu conhecimento, onde ele explicita que a então Presidente Dilma Rousseff teria de ser afastada para impedir a Operação Lava Jato de atingir políticos e empresários ligados ao seu partido, o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).

A Folha de S. Paulo divulgou excertos do diálogo trocado entre Jucá e Sérgio Machado, ex-presidente de uma transportadora de petróleo subsidiária da Petrobras, a Transpetro, semanas antes da votação na Câmara que desencadeou o impeachment (processo de destituição) da Presidente Dilma Rousseff. A conversa, que dura uma hora e 15 minutos, foi registada sem o conhecimento de Jucá. A Folha não informou como obteve a gravação, explicando apenas que ela se encontra em poder da Procuradoria-Geral da República (PGR).

No dialogo, Jucá diz que “tem que mudar o governo para poder estancar essa sangria”, numa referência à Lava Jato. Tanto Jucá como o seu interlocutor, Sérgio Machado, são alvo de investigação no âmbito daquela operação conjunta da Polícia Federal e Ministério Público. Machado, que dirigiu a Transpetro durante uma década, entre 2003 e 2014, foi denunciado por duas pessoas envolvidas no escândalo da Petrobras e o seu nome associado ao esquema de pagamentos de subornos que teve destinatários políticos, como o presidente do Senado, Renan Calheiros.

Romero Jucá está na lista de suspeitos que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal em Março pedindo a abertura de um processo relacionado com a Lava Jato. Enquanto senador, Jucá goza de imunidade parlamentar e só pode ser investigado sob autorização do Supremo. O seu nome apareceu em depoimentos de um ex-executivo da Petrobras, Paulo Roberto Costa, que foi detido e fez um acordo de colaboração com as autoridades. Jucá foi citado juntamente com outros 27 políticos supostamente beneficiários do esquema de subornos que vigorou em torno de contratos da Petrobras com outras empresas.

Há apenas três dias, o PGR pediu ao Supremo para abrir um outro inquérito contra Jucá e três outros políticos, todos do seu partido, o PMDB, por suspeita de terem recebido subornos pelos contratos relacionados com a construção de uma central hidroeléctrica no estado do Pará. Jucá foi um dos maiores opositores no Congresso à lei da Ficha Limpa, que torna inelegíveis políticos condenados em processos judiciais.

Na gravação obtida pela Folha, Sérgio Machado procura a protecção de Jucá face às investigações da Lava Jato e chega a fazer uma ameaça indirecta de incriminar políticos do PMDB se as autoridades chegarem a ele. "Aí fodeu para todo mundo. Como montar uma estrutura para evitar que eu 'desça'? Se eu ‘descer'..."

Segundo a Folha, Jucá concorda que o caso "não pode ficar na mão desse [Sérgio Moro, o juiz que comanda a Lava Jato]”.

Depois de referir o nome de empresários, como Marcelo Odebrecht, que foram detidos no âmbito da Lava Jato e aceitaram colaborar com as autoridades revelando a participação de terceiros, Machado sugere que ele é só um meio de os investigadores chegarem a figuras do PMDB. “O Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.” Jucá: “Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. Tem que mudar o governo para poder estancar essa sangria.” Machado, que foi uma indicação política do PMDB para a direcção da Transpetro, responde: “Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer]”, sugerindo, logo a seguir que Temer deve formar um governo de unidade nacional - exactamente o que o novo Presidente interino veio a fazer. “Com o Supremo, com tudo”, diz Jucá, referindo-se a um pacto que incluiria até o Supremo Tribunal, autoridade judicial que poderia travar ou pelo menos dificultar o andamento da Lava Jato. “Aí parava tudo”, diz Machado. “É, delimitava onde está, pronto”, diz Jucá.

A gravação é comprometedora para Jucá e para o novo Governo sob vários aspectos - uma autêntica “bomba”, dizem os comentadores políticos. Ela reforça as suspeitas de que uma das principais motivações que levaram o PMDB e a sua base de aliados - todos na mira da Lava Jato - a votarem no impeachment de Dilma Rousseff foi a tentativa de interferir no avanço das investigações, tendo em vista a auto-preservação.

Romero Jucá é presidente do PMDB desde Abril, substituindo Michel Temer no cargo, e enquanto senador votou a favor do impeachment de Dilma há duas semanas. Ao escolhê-lo para o Ministério do Planeamento, Temer fez dele o “ponta de lança”, como escreveu a Folha, da área mais prioritária do seu governo - a economia e a execução fiscal. Segundo a imprensa brasileira, Temer foi pressionado pela sua equipa para demitir Jucá. Depois de uma reacção inicial em que afirmou que não se sentia constrangido pela divulgação da conversa e não pensava em pedir a demissão, Romero Jucá anunciou a meio da tarde que ia pedir licença do cargo de ministro até que o Ministério Público se manifestasse em relação à investigação de que é alvo na Lava Jato. Não foi, tecnicamente, uma demissão. “Enquanto o Ministério Público não se manifestar, dizer que não houve crime, eu aguardo fora do ministério”, disse. “O Presidente deu-me um voto de confiança, mas eu preferi sair.”

O novo Governo tem sido pródigo em gerar reacções negativas desde o dia um, desde o número de ministros investigados pela Lava Jato (sete, no total), passando pela composição de um executivo sem mulheres nem diversidade étnica num país onde mais de metade da população é negra ou mestiça, até à decisão de extinguir o Ministério da Cultura, o que provocou a maior e mais expressiva contestação.

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