“Já mostrámos no passado que podemos ser muito criativos”

Peter Praet diz que ainda é cedo para pensar em mais medidas, mas garante: “confiem em nós, nós sempre encontramos os meios”

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O BCE está a tentar evitar os riscos de deflação na Europa

Um pouco mais de três meses depois de o BCE ter anunciado novas medidas para combater a deflação, Peter Praet continua a garantir que o banco central não esgotou os meios para intervir, caso seja necessário. Mas deixa um aviso: “a política monetária não pode fazer tudo sozinha”.

O BCE sempre alertou para os riscos de um longo período de inflação baixa. Estes dois anos e meio de inflação muito baixa não são já demais? Não corremos o risco de a economia estar já numa situação de deflação?

A nossa  política monetária tem estado muito alerta para evitar uma desancoragem das expectativas da inflação para um valor mais baixo. Sempre dissemos que isso é essencial. E algumas vezes é difícil para o público perceber porque é que agimos tão fortemente para evitar essa desancoragem das expectativas da inflação para valores abaixo de 1% ou próximos de zero. A razão para isso é que, quando se passa de uma inflação de 2% para zero, num contexto em que a economia está longe do seu potencial, as empresas com excesso de capacidade vão tentar vencer a concorrência baixando os preços, o que significa que a inflação irá cair para um valor negativo. Entra-se rapidamente num risco de deflação. Por isso, inflação baixa na presença de um crescimento abaixo do potencial é um cocktail perigoso.

Não é possível que estejamos já nessa situação?

O que dizemos é que os riscos de desancoragem das expectativas de inflação aumentaram, obviamente. E foi por isso que agimos de forma decidida. Em alguns países, vimos sinais de desancoragem da formação dos salários. Mas, dito isto, não concluímos que as expectativas de inflação se estejam a desancorar.

Não será este um argumento para aqueles que defendem que o BCE está a agir tarde demais?

A crise financeira começou há oito anos. Tivemos oito anos de desempenho económico muito mau, com duas recessões durante um curto período de tempo. A primeira fase da nossa acção de política monetária foi no período de 2008 a 2009, quando o BCE providenciou liquidez aos bancos. Depois tivemos este grande problema de fragmentação trazido por uma crise da dívida muito severa. Essa foi a segunda fase da crise, que exigiu uma mudança na nossa acção e o ponto alto desse novo rumo foi, é claro, a expressão “aquilo que for preciso” de Mario Draghi. Por causa dessa mudança, a situação começou a mudar. Mas em 2014, a recuperação deu sinais renovados de enfraquecimento com uma aceleração no ritmo da desinflação que estava a ameaçar a estabilidade das expectativas de inflação. Foi aí que começámos a enfrentar o problema da procura agregada em toda a união. As nossas taxas de juro já tinham sido reduzidas repetidamente e no Verão de 2013 já tínhamos reforçado o apoio ao explicitar um mapa para o rumo futuro das taxas de juro. Mas em Junho de 2014, colocámos a taxa de depósito num nível negativo pela primeira vez, com três novas reduções em Setembro de 2014, em Dezembro do ano passado e em Março deste ano. Além disso, iniciámos o nosso programa de compra de activos em Março de 2015. Em 2016, principalmente por causa do choque nos mercados emergentes que enfraqueceu mais as nossas perspectivas para a estabilidade de preços, tomámos medidas adicionais. Em retrospectiva pode-se sempre dizer que podíamos ter feito coisas diferentes, mas acho que o que o BCE demonstrou com a sua acção é que estamos absolutamente determinados a evitar a deflação. Todas as acções que tomámos, para evitar a crise bancária e, em última análise, uma ruptura no euro, foram instrumentais para evitar a deflação.

Mas evitar um risco maior de desancoragem das perspectivas de inflação, não conseguiram?

Como não assistimos a pressões inflacionistas nos anos de crescimento forte, quando o ciclo financeiro foi abaixo, logo a seguir a uma curta subida devido aos preços mais altos do petróleo, a inflação começou a cair muito bruscamente. E depois de uma nova subida dos preços das matérias primas em 2010 e 2011, a reversão destes choques deu inicio a um período prolongado de desinflação. Assim que nos apercebemos que este processo estava a começar a contaminar as componentes domésticas da inflação, incluindo as expectativas, actuámos muito decidida. Ainda não conseguimos aproximarmo-nos nos 2%, mas por outro lado evitámos realmente condições de deflação. Por isso, diria que dada a natureza e a dimensão dos choques, não foi fácil atingir esse resultado. Agora, obviamente que não estamos satisfeitos com o resultado e é por isso que continuamos a perseverar. E temos os instrumentos para o fazer[ME1] .

E o BCE tem os instrumentos para enfrentar um novo choque?

As lições que retiramos da nossa experiência dos últimos anos são que, em primeiro lugar, tivemos a capacidade para decidir. Temos um conselho de governadores com 19 governadores e seis membros do conselho executivo e sempre conseguimos tomar decisões. Conseguimos agir quando foi preciso, nunca tivemos uma paralisia ou um processo caótico de decisão. Sempre conseguimos um acordo bastante forte. Nem sempre com unanimidade, mas um apoio muito forte.

E ainda têm instrumentos de política que são necessários?

Já mostrámos no passado que podemos ser muito criativos dentro do que é o nosso mandato. Quando nos perguntam se estamos preparados para um novo choque, eu respondo sempre: confiem em nós, nós sempre encontramos os meios dentro do perímetro do nosso mandato. Algumas das medidas que adoptámos em Março, como os empréstimos de longo prazo aos bancos (TLTRO II) e a aquisição de obrigações empresariais, nem sequer começaram ainda a ser implementadas. Portanto, ainda temos políticas de apoio de reserva.

Em particular, nas taxas de juro ainda podem ir mais longe?

No mapa que traçamos para a evolução das taxas de juro, dissemos que as taxas irão permanecer aos níveis actuais ou mais baixos. Por isso, isto significa que as taxas de juro ainda são uma possibilidade. A questão está, é claro, nas condições em que decidiríamos usar esse instrumento porque é evidente que as taxas negativas a partir de determinado ponto têm também efeitos secundários que começam a tornar-se mais importantes, nomeadamente na rentabilidade dos bancos. Mas, feitas as contas, o impacto positivo domina. Esse foi o nosso julgamento.

E nas compras de activos? O limite está a ser atingido?

Dispomos de vários instrumentos, incluindo a compra de activos, mas não abrimos as portas a eles quando ainda nem sequer implementámos uma parte do programa. O importante é que não nos sentimos limitados na nossa acção por causa de uma falta de instrumentos.

E não estão condicionados pela falta de acção dos governos?

A política monetária não pode fazer tudo sozinha. Sempre dissemos que precisamos de uma resposta política abrangente. Precisamos de políticas estruturais, orçamentais e monetárias. Mas ao mesmo tempo, não podemos deixar que a nossa política monetária seja condicionada pelas acções de outros, porque nós temos um mandato que é incondicional, que não depende das acções de outros actores. A nossa instituição foi criada com um mandato – a estabilidade de preços – mas também com os instrumentos para atingir esse fim, portanto não fugimos da nossa responsabilidade. Nós fazemos. Não estamos limitados pela inacção dos outros. Ao mesmo tempo, avisamos os outros responsáveis políticos que a política monetária não vai resolver estes problemas de baixo crescimento estrutural e de desemprego.

Em alguns países, diz-se muitas vezes que o que a política monetária faz é reduzir o incentivo para fazer reformas...

Não penso que isso esteja provado. Algumas defendem exactamente o oposto, que se podem tornar as reformas mais fáceis com a política monetária. Eu acho que o que interessa para as reformas não é tanto o que acontece à política monetária, é realmente o ciclo político.

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