Uma aula para aprender a planear no país do desenrasca

Durante duas horas, fomos o aluno (quase) invisível de uma aula sobre logística da Porto Business School. Nesta formação da escola de negócios em que "não há verdades científicas" procuram-se respostas para as quais conta a experiência de terreno de cada um.

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Adriano Miranda

Roger Bennett, o gestor de produto, culpa a directora de produção. Sally Ryan, a directora de produção, fala do descontrolo do departamento de marketing. Mel Young, o director financeiro, põe todos em causa sem apontar o dedo a ninguém. Algo falhou na arte de planear — ou logística, para usar a linguagem académica — da pequena empresa de produtos alimentares norte-americana Horizon Foods. Se foi feito um investimento em armazenamento e aumentado o capital da empresa para ter mais stock disponível, por que razão está a situação por controlar?

O conflito é ficcional — caso de estudo numa aula do curso de formação para executivos “Logística e Gestão da Cadeia Logística”, da Porto Business School (PBS) — mas não anda distante da realidade que os 19 alunos tão bem conhecem. Passa pouco das 11 horas. A sala de aula central, paredes brancas e mesas em “u”, fica provisoriamente vazia. À volta, há seis pequenos espaços com vistas para o recinto central e quatro deles estão ocupados por grupos. Os estudantes analisam um texto onde é relatada uma reunião entre os três responsáveis da Horizon Food e procuram identificar quais os principais problemas da empresa, que medidas poderiam solucioná-los e quais as vantagens da implementação de um planeamento integrado da cadeia de abastecimento. Dali a uma hora o assunto será debatido entre todos.

A aula é de planeamento integrado, função transversal a várias áreas dentro de uma empresa — e, por isso, potencial geradora de conflitos. Antes do caso prático, a docente Gisela Santos tinha passado duas horas a falar do conceito; durante os 60 minutos de análise em grupo vai passando pelas salas, dando pistas e auscultando opiniões. “Um caso como este não tem uma solução fechada, mas algumas tendem a estar mais correctas do que outras. No fim, haverá opiniões diferentes”, antecipa.

Os desafios de uma aula de formação para executivos são grandes. À frente de Gisela Santos, engenheira química de formação, há uma plateia com idades e formações muito distintas: pessoas da área da saúde, dos transportes, da distribuição, de empresas químicas ou alimentares, da construção civil ou da área livreira. Todas têm perspectivas diferentes. E numa matéria onde “não há verdades científicas”, a experiência de terreno deles tem um peso significativo. “Mostramos, acima de tudo, que é possível fazer melhor, melhorando práticas. Costumo dar o exemplo da Zara, nascida na Corunha, pequena; ou da Dell, um grande império criado por um senhor que vendia porta a porta”, diz Gisela Santos, que depois de anos de trabalho em várias empresas se rendeu à consultadoria e ao ensino, na PBS e na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

Há duas semanas, levou para a aula um jogo do Massachusetts Institute of Technology (MIT), criado nos anos 60 mas ainda “bastante actual”. No Beer Game simula-se uma cadeia de abastecimento de um bem de grande consumo (a cerveja, como o nome indica), com fábrica, distribuidor, grossista e retalhista. O objectivo final é diminuir os custos — mas, pelo meio, apreendem-se uma série de conceitos de gestão da cadeia logística. “Em vez de lhes explicar um conceito, eles aprendem-no jogando, tiram as conclusões sozinhos.”

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Ana Maria Sousa, da Porto Business School, diz que a tendência mundial na formação de executivos é a busca por novas metodologias, “com impacto, diferenciadoras e experienciais"

A busca por novas metodologias, “com impacto, diferenciadoras e experienciais”, é cada vez mais uma tendência das formações para executivos um pouco por todo o mundo. Quem o diz é Ana Maria Sousa, coordenadora desta área na PBS, a escola do país com mais cursos para executivos. São 32 neste ano lectivo e quase metade são novos em relação ao ano anterior. A estratégia da instituição — desde 2011 nos “rankings” das melhores escolas de negócios do Financial Times — passa por uma “antecipação” das necessidades do mercado.

No norte do país, muito ligado à indústria, a área da logística facilmente se transformou “numa das mais fortes” na PBS. Passa do meio-dia e o debate corre animado. À frente de cada aluno, há uma placa com o nome e, em alguns casos, a indicação da empresa onde trabalha. Nas costas do objecto, virado para o aluno, uma mensagem em tom de lema: “Integrar e colaborar para aumentar a criatividade”. Com um plasma gigante e dois quadros brancos como apoio, a docente vai mediando e lançando perguntas. “Reviram-se neste caso?” As soluções, como Gisela Santos tinha antecipado, variam numa gama alargada: centralizar a distribuição, propõe um, criar uma empresa de transportes, atira outro, desenvolver uma área de compras e logística, sugere uma das (apenas três) alunas da sala.

Um dos lados do “u” da turma aproxima-se mais das questões essenciais do que o outro, mas o objectivo primordial do exercício — perceber a importância da função planeamento e entender que, quando ela não está prevista, acarreta maiores custos para a empresa — foi cumprido. E o “networking”, algo que, diz Ana Maria Sousa, é “cada vez mais valorizado pelos alunos”, também. Um bom planeamento, resume Gisela Santos, “muda totalmente o sucesso de uma empresa”.

E, em Portugal, o caminho por fazer nesta matéria é ainda gigante. As reuniões, por exemplo, aconselhadas durante a aula, são ainda mal vistas por muita gente. “É preciso ter cuidado para não passar mais tempo em reuniões do que em trabalho”, reagiu um aluno. A cultura latina, lamenta a professora, “tende a ser pouco eficaz”. E isto não é ficção.

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