Financiamento às escolas privadas: os argumentos de Passos e do Governo

Passos Coelho defende que mesmo nas zonas onde há escolas públicas, o Estado deve continuar a financiar colégios particulares. E dá vários argumentos, financeiros e políticos. Aqui fica o cruzamento entre as ideias do líder do PSD e as do Governo

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Passos Coelho dedicou o dia de terça-feira à educação DR

Na luta política sobre os contratos de associação, o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho puxou para si a causa da defesa da manutenção do financiamento a estas escolas, mesmo que não haja falta de oferta pública na mesma área geográfica.

Deu vários argumentos, tanto financeiros como políticos. Aos jornalistas, depois de uma reunião do Conselho Nacional de Educação, esta terça-feira, só deixou cair o argumento legal. No fim-de-semana, tinha defendido que a luta entre colégios privados e Governo podia terminar nos tribunais, mas desta vez preferiu não referir a legalidade (ou falta dela, no seu entender) da decisão do Governo.

No mesmo dia, vários foram os argumentos veiculados pelo Governo. Aqui fica um encontro entre as duas visões para este problema.

  • É um debate ideológico? "Serviço público" das escolas privadas versus Melhoria da escola pública

Para Passos Coelho, o debate sobre a reavaliação das regras de financiamento das escolas particulares e cooperativas com contrato de associação (que recebem alunos financiadas pelo Estado) não pode ser entendido entre ensino privado e ensino público porque o que interessa é o "serviço público" e estas 79 escolas (com contratos) fazem-no. “Essa oposição entre escola pública e privada é uma falsa oposição”, disse aos jornalistas, acusando o Governo de fazer um debate "retrógrado" e "anacrónico". Ou seja, para o social-democrata, não é só a escola pública que faz serviço público.

O Governo socialista diz que o que está a fazer é reduzir o financiamento a escolas privadas e com isso está a defender a escola pública (tese, aliás, que o PS sublinhou numa carta enviada a militantes esta terça-feira). Sobre este assunto, o Executivo puxa para si o argumento constitucional, dizendo que, segundo a Constituição, o Estado tem a obrigação de garantir o acesso universal à escola pública e que, tendo também em conta a Lei de Bases do Sistema Educativo, a oferta das escolas particulares e cooperativas deve ser "complementar" à rede pública e, portanto, isso não limita o Estado de assegurar a oferta em estabelecimentos públicos, mesmo que exista oferta privada em determinadas zonas. Além disso, acrescenta o Governo, tendo em conta as leis em vigor, o Estado não quer financiar "colégios privados para mais alunos do que os necessários"

  • Está em causa a liberdade de escolha?

Esta questão só se coloca nos casos em que há duplicação de oferta. Ou seja, há vários contratos-associação: há contratos com escolas que não têm escola pública na mesma área geográfica (e nesses casos não há liberdade para escolher porque não há outra opção para as famílias); e há aqueles que têm vindo a ser celebrados com escolas ao longo dos anos, mesmo depois de existir oferta pública na mesma zona (os quais o Governo quer limitar, deixar de pagar novas turmas nos colégios privados e absorver esses alunos no público). E é só neste último caso que se coloca a discussão entre PSD e Governo.

Na visão de Passos Coelho, as coisas como estão (com estas 79 escolas) estão bem, por isso, não é preciso mudar. E para isso fala da questão da liberdade de os pais escolherem onde querem que os filhos estudem. O líder do PSD defende que estes contratos são uma opção quando há uma escola pública perto, e que, se isso não sai mais caro ao Estado, não vê problema em continuar. "Se essa despesa já é realizada, se se vai parar a essas escolas por escolha; se essas instituições aceitam esses alunos da mesma maneira que as escolas públicas e com as mesmas regras, porque haveremos de querer vender às pessoas um produto de oferta educativa fechado?” Para Passos Coelho, esta questão coloca-se noutras áreas, como na Saúde ou nos apoios sociais. Devem por isso colocar-se também na Educação.

E é aqui que entra o debate ideológico. O Governo sublinha que não se trata de dar liberdade de escolha, uma vez que se trata de contratos com as escolas e não com as famílias. "Mas também porque, ao financiar aquela escola e não outra, a liberdade de escolha fica limitada à opção entre essa escola privada e a escola pública, eliminado da equação todas as outras escolas privadas que não sejam financiadas pelo Estado", defende o Executivo num documento interno a que o PÚBLICO teve acesso.

Acresce ainda que os socialistas não defendem o financiamento a privados quando há escolas públicas na mesma área geográfica, argumentando que o Estado não deve financiar pais que queiram alunos numa escola privada, quando há oferta pública (e gratuita) acessível na mesma zona.

  • Poupar com privados versus Financiar privados

Para reforçar a ideia que não é um debate ideológico, Passos puxa do argumento financeiro. Para o líder do PSD, a “escola pública não vai ter capacidade para absorver estes estudantes” e, por isso, “vai substituir esta despesa por outra” que, na sua opinião, será “superior”.

Nesta guerra dos números (que não são conhecidos), Passos Coelho diz que uma turma no público custa quase tanto, ou mais, do que o financiamento de uma turma no sector particular e cooperativo. E argumenta que, apesar desta opção, foi o seu Governo que baixou a verba dispensada para contratos de associação: de 153 milhões de euros em 2013 para 144 milhões em 2015 – sem no entanto haver contabilização sobre quanto deste corte diz respeito à redução do número de alunos financiados por questões demográficas, por exemplo.

De acordo com uma portaria de 2015 que está na base dos actuais contratos (celebrados em 2015), cada turma financiada pelo Estado custa 80.500 euros anuais. Há cinco anos, este valor rondava os 114 mil euros. Um valor que começou ainda a ser cortado no último Governo de José Sócrates.

Passos Coelho diz ainda que os números apresentados pelo Governo "não são fidedignos". Passos referia-se a dados do Instituto de Gestão Financeira Escolar (IGFE), revelados esta terça-feira pelo Ministério da Educação, que diz que cada nova turma no ensino público implica, em média, a contratação de dois novos professores, ou seja, um custo de 54 mil euros/ano. Mas este valor não pode ser directamente comparável aos 80.500 euros, uma vez que diz respeito a um valor adicional e não contabiliza o custo total de uma turma. De acordo com o Ministério, estes dados dizem respeito a turmas que venham a ser criadas em escolas já com capacidade instalada, o que, no limite, pode levar à criação de novas turmas "a custo zero", no que diz respeito aos recursos humanos.

Já o argumento do Governo é diferente. Este ano, o Executivo socialista baixou a verba para contratos-associação para 139 milhões de euros. Para o ano, deverá ser bastante inferior se não abrir tantas turmas como até agora (apesar de ter de manter o financiamento às já contratadas). Além disso, defende que esta medida deve ser apenas aplicada quando existir falta de oferta pública e não deve existir para financiar as instituições particulares. "Pretende-se aplicar com rigor os recursos do Estado. Nem se compreenderia que, face aos constrangimentos orçamentais existentes, que condicionam o cumprimento das obrigações constitucionais em relação à rede escolar pública, o Estado fosse alargar prodigamente a subvenção à rede privada fora dos casos em que a rede pública proporciona oferta insuficiente", defende-se no documento interno do Governo.

  • Qual das soluções não é legal?

Além da questão política, os argumentos trocados pelos dois lados estão a centrar-se na legalidade da medida. Passos Coelho foi o primeiro a falar da possibilidade de este assunto terminar em tribunal. Este sábado, no Porto, o líder do PSD acabou por referir que "é muito possível que estas instituições coloquem o Estado em tribunal, porque este não está a honrar os seus próprios compromissos". Nas respostas aos jornalistas, esta terça-feira, o líder do PSD voltou a referir-se às consequências para "as escolas que têm contrato que o Governo diz que não vai cumprir", mas não voltou a defender a ilegalidade da solução do Executivo, mesmo quando questionado sobre se mantinha este argumento após o Governo ter garantido que vai cumprir os contratos plurianuais celebrados.

É aqui que entra o argumento do Executivo. O Ministério da Educação diz que os acordos existentes que estão em vigor desde o ano passado e que foram celebrados tendo como longevidade um ciclo escolar , não vão ser postos em causa, nas turmas de continuidades de ciclo. Ou seja, uma turma que iniciou o 5º ano no ano lectivo 2015/2016 terá o financiamento por contrato-associação assegurado até ao final do ciclo escolar, que neste caso será 2017 (se tivesse iniciado o 7º ano, terá o financimanto assegurado por três anos, o que empurra o fim do contrato para 2018).

O mesmo já não acontecerá com novas turmas de início de ciclo (5.º,7.º e 10.º anos), cujo financiamento passará a depender, já a partir do próximo ano lectivo, da existência ou não de oferta pública na região. O que é contestado pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular, para quem a abertura de novas turmas estaria também consignada dos acordos celebrados em 2015, cum um prazo de vigência de três anos. 

O Ministério ainda não decidiu, no entanto, o que fazer no caso de haver chumbos de alunos, mas prometeu avaliar as retenções, disse fonte da Educação numa conversa com jornalistas esta terça-feira.

O Governo mantém estes acordos apesar de os considerar ilegais, tal como o PÚBLICO escreveu na semana passada. Em causa está o novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo aprovado em 2013 e que, segundo o Governo, é “ilegal” na parte em que deixou de assinalar que o financiamento do Estado aos colégios está dependente da oferta pública existente nas zonas em que estão implantados, um princípio que esteve na base dos contratos de associação.

Estes acordos foram inicialmente criados nos anos 1980 para garantir o ensino gratuito nas zonas do país onde não existia oferta pública, o que foi feito através do financiamento do Estado aos colégios implantados nessas áreas. Além disso, como o novo estatuto do ensino particular foi aprovado por decreto-lei, não pode modificar uma lei que lhe é anterior, já que esta “constitui reserva legislativa absoluta da Assembleia da República” que a votou. Por outro lado, acrescenta-se, o diploma de 2013 também não está conforme com a Lei de Bases do Sistema Educativo, que também só pode ser alterada pelo Parlamento.

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