Pena máxima para pai que matou filho em Oeiras

Tribunal de Cascais considerou provado que João Barata matou o bebé com uma faca depois de a companheira lhe ter dito que queria pôr fim à relação entre ambos por ele ter recomeçado a beber.

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O crime ocorreu em Abril do ano passado Daniel Rocha (arquivo)

Foi sem reacção que o homem de 34 anos acusado de matar o filho, um bebé de cinco meses, com uma faca, em Abril do ano passado, em Oeiras, ouviu a presidente do colectivo de juízes determinar a culpa não apenas pelo acto de matar, mas pela “forma brutal” como o fez “tornando impossível a sobrevivência” do filho de quem tomava conta, “um bebé indefeso de cinco meses”. João Barata foi condenado à pena máxima 25 anos de prisão por um tribunal de júri, requerido pela defesa e composto por quatro cidadãos seleccionados. A sentença foi lida ao início da tarde desta terça-feira no Tribunal de Cascais.

Foi condenado a 22 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado, a quatro anos de prisão pelo crime de explosão na forma tentada e a penas mais leves (de oito e quatro meses) por profanação de cadáver (também na forma tentada) e consumo de estupefacientes, num cúmulo jurídico global de 25 anos de cadeia. Nos tribunais de júri, a sentença é decidida por maioria dos três juízes e quatro jurados.

Na acusação, o Ministério Público (MP) entendia que quando chegasse a casa, a mulher seria morta por uma explosão que destruiria também o corpo do bebé. E por isso, além de homicídio qualificado, o MP acusara-o também de tentativa de assassínio da companheira, de profanação de cadáver e ainda por tráfico de droga. O tribunal deu como provado que João Barata ligou o gás do fogão e do esquentador e cortou as mangueiras de ligação à botija, com uma "intenção inequívoca": sabia que os bicos estavam a deitar gás, mostrando “total indiferença pelas consequências” possíveis de morte de pessoas na casa ou no prédio e mostrando igualmente “total desprezo e ausência de respeito pelo corpo do seu filho”. Porém, absolveu-o do crime de tentativa de homicídio da mulher, que decorreria da explosão, e de tráfico de droga, condenado-o por consumo de estupefaciente.

“O arguido, não se conformando com o acórdão proferido, dele pretende recorrer, para o tribunal superior”, anunciou ainda na sala do julgamento o advogado de defesa Aníbal Pinto. “As motivações serão apresentadas nos prazos legais.” À saída do tribunal, Hélder Nicolau Gomes, advogado da mãe do bebé, afirmou estar “satisfeito" com a sentença. "Foi a pena máxima” prevista em Portugal. O advogado explicou que a progenitora, que não estava presente, desistiu do processo cível e pedido de indemnização. “Não há dinheiro nenhum que pague a vida de um filho”, referiu.

“Quis vingar-se da mãe da criança”

“Não há dúvida quanto à autoria dos factos nem dúvidas de que a morte do bebé foi provocada pelas lesões torácicas resultantes do acto” e que João Barata “quis vingar-se da mãe da criança”, dissera momentos antes a juíza durante a leitura resumida do acórdão. A perícia psicológica não detectou uma patologia, mas uma “organização da personalidade imatura e egocêntrica com traços depressivos e impulsivos”, notou a juíza. Em tribunal, o arguido argumentou não se lembrar do momento em que tudo ocorreu, apenas se lembrava do início e do final daquele dia. Os juízes, porém, pouco convencidos dessa falha de memória, fizeram questão de salientar que "o arguido recusou lembrar o ocorrido". Na manhã do crime teria consumido álcool, mas não em quantidades suficientes para não saber o que estava a fazer. “Não se esqueceu dos factos, já que os relatou a mais de uma pessoa”, referiu a juíza.

Os elementos periciais, testemunhais e documentais permitiram “para além de toda a dúvida razoável” comprovar os factos. Não há dúvida quanto à autoria dos factos. E não há dúvida que “a morte foi causada pelas lesões torácicas” resultantes da agressão com a faca", afirmou a magistrada. Relativamente às molduras penais dos crimes, referiu a “forma brutal” como o homem procedeu relativamente a um ente que lhe era próximo, que era dependente dele e totalmente “indefeso”.

João Barata, que tinha 33 anos à data do crime, estava desempregado e sozinho em casa com o filho, em Linda-a-Velha. Tinha tido uma recaída no álcool e esse facto, além do consumo de drogas, estaria entre as razões por que a mulher se queria separar dele. Não era a primeira vez que a mulher tentava deixá-lo, já depois de uma separação quando viviam em Coimbra, motivada por uma queixa contra ele por violência doméstica e pelos consumos dele. Seguiu-se uma reconciliação cerca de um ano depois da vinda dela para a casa em Linda-a-Velha, onde passaram a viver, sob a condição de ele se tratar definitivamente. Foi nessa habitação que a criança morreu. Ao longo de 12 anos, o jovem fez tratamentos à dependência de drogas e de álcool, disse o seu advogado ao PÚBLICO que pugnara pela sua absolvição, alegando não existirem provas concretas de ter sido ele o autor material do crime e defendendo a tese da “inimputabilidade momentânea” do arguido naquela tarde.

Terá admitido à PSP ter cometido o crime 

Nessa tarde, face à ameaça de ficar de novo sem a mulher, João Barata respondeu com a ameaça de matar o filho de ambos. Contactou a mulher através de uma chamada de vídeo e a imagem mostrava o filho de ambos a brincar em cima da cama. Filmou-se depois a apontar um dedo ao coração do bebé, fingindo espetar-lhe uma faca no peito. E ameaçou que, se ela não ficasse com ele, ficaria também sem o filho de ambos, nascido em Outubro de 2014. Ele tem mais três filhos de uma anterior relação. E a ex-companheira tem uma filha de 13 anos.

No momento da detenção, depois de ser levado por agentes da PSP para a esquadra de Carnaxide, terá admitido ter cometido o crime. Mais tarde, no interrogatório judicial disse, contudo, não se lembrar do momento em que tudo ocorreu. E durante o julgamento, chegou a dizer que queria saber quem era "o monstro" que tinha matado o filho. “Estes depoimentos não nos mereceram qualquer credibilidade”, apontou a juíza.

Depois da detenção, o jovem foi primeiro levado para o hospital prisional de Caxias e depois transferido para o Estabelecimento Prisional de Lisboa, onde ficou a aguardar julgamento em prisão preventiva, numa cela individual, numa ala protegida, onde estão presos condenados por abusos sexuais de menores ou outros “crimes censuráveis”, explicou o advogado Aníbal Pinto. O advogado disse que João Barata está disposto a recorrer e ir “até às últimas consequências”. Não se conforma “porque não foram admitidas provas”, disse referindo-se ao pedido da defesa para comparar novamente o ADN na faca com o ADN de João Barata. O tribunal recusou repetir o exame que deu negativo.

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