O clube que desapareceu e o estádio que nunca foi usado

Entre os danos colaterais do desastre nuclear de Tchernobil estão uma equipa de futebol e um recinto pronto a estrear.

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A bancada e uma torre de iluminação é tudo o que resta de um estádio que nunca foi usado DR

Ainda hoje, 30 anos depois, não se pode jogar futebol ao ar livre – só em recinto fechado – em Pripiat, a cidade tornada fantasma pela explosão do reactor 4 da Central Nuclear de Tchernobil a 26 de Abril de 1986. Não vive lá ninguém, a não ser aqueles que controlam a segurança, os que trabalham no novo sarcófago de contenção do reactor que explodiu e os guias turísticos, que, por algumas centenas de euros, promovem excursões de algumas horas pela cidade deserta contaminada pela radiação. Um dos pontos de passagem destas visitas é o Estádio Avanhard, que era para ser a casa de um clube que já não existe.

Viviam cerca de 50 mil pessoas em Pripiat, então uma cidade da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, construída nos anos 1970 para servir de suporte à central nuclear que ficava a três quilómetros de distância. Como muitas cidades pequenas, tinha o seu clube de futebol, o FC Stroitel Pripiat. A equipa era amadora e constituída apenas por jogadores locais e jogava nas competições regionais da Ucrânia, lutando época após época pela subida aos campeonatos profissionais soviéticos.

Não andou longe, mas nunca lá chegou. Teria, no entanto, um incentivo para ajudar nesta luta, um estádio novo com capacidade para cinco mil espectadores, que seria inaugurado no dia do trabalhador, a 1 de Maio de 1986. No dia em que explodiu o reactor 4, o FC Stroitel Pripiat iria disputar em casa uma meia-final da Taça de Kiev com o Borodyanka, um jogo que nunca chegou a acontecer. E o estádio pronto a estrear ficou, como tudo na cidade, contaminado pela radiação e foi abandonado 36 horas depois da catástrofe.

Alguns dos jogadores ficaram em Pripiat para ajudar nas operações de limpeza, mas muitos outros foram para Slavutich, cidade construída de propósito para acolher os refugiados do desastre nuclear. A equipa ficou uma época sem competir e, em 1987, regressou com novo nome e nova casa, mas este FC Stroiel Slavutich durou apenas até ao final de 1988, sem grandes feitos desportivos.

O estádio novo que nunca foi usado foi-se degradando e, quando os níveis de radiação baixaram para permitir algum turismo na região, e passou a ser parte integrante das excursões, tal como o parque de diversões abandonado que é o local mais conhecido da cidade radioactiva. Tudo o que resta é uma bancada que nunca teve um único espectador a ver futebol e uma torre de iluminação ferrugenta que também nunca teve uso. A natureza impôs-se ao recinto, cobrindo totalmente o rectângulo onde nunca ninguém marcou um golo.

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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